![]() |
Imagem: Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade |
Carlos Madeiro - Colunista do UOL
Moradores que vivem na fazenda
Jurema, entre os municípios de Vila Nova dos Martírios e São Pedro da Água
Branca (MA), estão ameaçados de despejo de suas casas da área onde relatam
vivem há mais de 20 anos. O governo federal tenta agora negociar a compra da
área com a empresa Suzano e assim evitar a saída de cerca de 500 famílias.
O cenário é de preocupação, já
que a ação de reintegração de posse de ação de 2010 findou com ganho de causa
da Suzano, que quer a liberação das terras. Após negociação, a Justiça
determinou uma ordem de despejo, que chegou a ser marcada para o dia 15 de
julho.
Um plano de operação chegou a ser
feito pela PM (Polícia Militar), que iria usar 196 policiais, 44 veículos e um
helicóptero. Entretanto, a decisão acabou sendo suspensa por 60 dias diante do
impacto que a medida causaria não só às famílias, mas ao município de São Pedro
da Água Branca —onde está a maioria dessas famílias camponesas.
Um ofício enviado à Vara Agrária
de Imperatriz no dia 12 de junho de 2025 pelo prefeito de São Pedro da Água
Branca, Samuel Ribeiro (PL), afirma que, se executada, a ordem de retirada iria
afetar "diretamente mais de mil famílias".
O município cita que a Secretaria
de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular recomendou à prefeitura
que fizesse à identificação dos moradores em situação de vulnerabilidade para
"adoção de medidas emergenciais e inclusão em políticas habitacionais".
Entretanto, isso poderia gerar um colapso na cidade de 14 mil moradores.
"[Isso] extrapola as capacidades e competências municipais legalmente
estabelecidas".
![]() | ||
Área da fazenda Jurema (MA) |
“A Prefeitura de São Pedro da Água Branca não dispõe de estrutura logística, técnica e orçamentária suficiente para absorver, de forma autônoma, os efeitos sociais da reintegração, seja por meio de políticas de acolhimento, reassentamento ou inclusão imediata em programas habitacionais”.
Ofício à Justiça.
Moradias há 40 anos
Segundo relatório produzido em
novembro de 2024 pela Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na
Cidade, após visita às cinco áreas ocupadas, existem duas ocupações (a Sapucaia
e a Traíra) "consolidadas, com moradores antigos, organização interna e
infraestrutura".
Na comunidade Traíra, são 110
famílias, sendo a maioria dos moradores "composta por idosos, que
trabalham com a roça cultivando mandioca, quiabo, maxixe e limão.
"Predominantemente são aposentados, o que eleva a vulnerabilidade da
comunidade que dependem da agricultura de subsistência", diz.
A maior área ocupada, porém, é o
acampamento Sapucaia, onde vivem cerca de 300 famílias. O documento aponta que
desde 2019 os moradores têm enfrentado dificuldades para regularizar o
fornecimento de energia elétrica.
![]() |
Sede da Associação do Assentamento Sapucaia |
Além dos moradores antigos, o
documento ainda cita que foram identificados "posseiros individuais com
construções de alvenaria em estilo de chácaras e lotes individualizados",
que mostrariam a existência de um "perfil especulativo" de outras
áreas.
"As pessoas aqui se
encontram completamente vulneráveis e psicologicamente abaladas", conta à
coluna Edineia Soares de Souza Silva, presidente da Associação dos
Trabalhadores Rurais do Assentamento Sapucaia.
Segundo ela, há moradores que
vivem nas terras há pelo menos 40 anos. Agora, na iminência de um despejo,
alguns deles têm "surtado" em meio a um clima que mistura medo,
tristeza e revolta.
“Imagina como se sente uma
mãe ou pai de família que está há 40 anos sofrendo ameaças de ser despejado da
única coisa que tem vida, que é uma casinha de barro ou taipa, e chega uma
empresa multimilionária alegando ser dono das terras depois que a pessoa já
viveu uma vida toda... São pessoas muito pobres, e a única renda dessas
pessoas, muitas vezes, é só o Bolsa Família”.
Edineia Soares.
Diálogo por terras
O Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária) abriu apenas este ano um processo para
desapropriação de 2.300 mil hectares (10% da área total da fazenda).
Em nota, MDA (Ministério do
Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e Incra informaram que
"estão dialogando com as instituições do sistema de justiça, autoridades
policiais, governo do estado e Suzano em busca de uma negociação para solução
consensuada da questão".
O problema, porém, também tem a
ver com prazo: a Justiça negou pedido do Incra para entrar no processo após o
trânsito em julgado. O órgão entrou com recurso no dia 17 de julho, onde pede
reconsideração —ainda não há decisão.
O órgão federal argumenta que tem
uma proposta "potencial de viabilizar solução estrutural e duradoura para
o litígio" e cita o processo administrativo para desapropriar 2.334
hectares da fazenda Jurema e destiná-lo à reforma agrária.
O processo está em fase de
análise pela Diretoria de Obtenção de Terras, e após isso, será submetido ao
Conselho Diretor. "Uma vez aprovado, será encaminhado ao MDA e à Casa
Civil da Presidência da República para a edição do decreto de declaração de
interesse social", informa.
Também em nota, a Suzano
confirmou o diálogo com o governo federal. "O acordo também prevê que não
haverá oneração à empresa pelos danos ambientais ocasionados pelos ocupantes
das áreas invadidas, assim como reconhece as outras Fazendas no estado como
tituladas para a companhia", diz.
Sobre as comunidades locais, a
empresa explica que adquiriu a fazenda em 2009. "Desde então ocorreram
duas reintegrações de posse, sendo a última em 2011, ano em que a área foi
novamente invadida. Após a reinvasão, a companhia seguiu com o processo judicial,
obtendo sentença favorável em 2014", diz, em referência à ação que
resultou na ordem de reintegração.
“Diante dessa decisão
definitiva, o processo seguiu seu curso com a expedição de novos mandados de
reintegração, avaliações de campo, recursos e decisões em diferentes
instâncias, com determinação de cumprimento da sentença em julho de 2024”.
Suzano.
A empresa ainda diz que, caso não
se alcance um acordo, "a companhia confia que tais inconsistências serão
devidamente apreciadas pelo judiciário nacional, restabelecendo-se a ordem de
reintegração de posse".
Nenhum comentário:
Postar um comentário