terça-feira, 12 de agosto de 2025

Despejo ameaça 500 famílias em fazenda da Suzano no Maranhão e cidade de São Pedro da Água Branca teme colapso.

 

Residências com área de trabalho na fazenda Jurema (MA)
Imagem: Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade

Carlos Madeiro - Colunista do UOL

Moradores que vivem na fazenda Jurema, entre os municípios de Vila Nova dos Martírios e São Pedro da Água Branca (MA), estão ameaçados de despejo de suas casas da área onde relatam vivem há mais de 20 anos. O governo federal tenta agora negociar a compra da área com a empresa Suzano e assim evitar a saída de cerca de 500 famílias.

O cenário é de preocupação, já que a ação de reintegração de posse de ação de 2010 findou com ganho de causa da Suzano, que quer a liberação das terras. Após negociação, a Justiça determinou uma ordem de despejo, que chegou a ser marcada para o dia 15 de julho.

Um plano de operação chegou a ser feito pela PM (Polícia Militar), que iria usar 196 policiais, 44 veículos e um helicóptero. Entretanto, a decisão acabou sendo suspensa por 60 dias diante do impacto que a medida causaria não só às famílias, mas ao município de São Pedro da Água Branca —onde está a maioria dessas famílias camponesas.

Um ofício enviado à Vara Agrária de Imperatriz no dia 12 de junho de 2025 pelo prefeito de São Pedro da Água Branca, Samuel Ribeiro (PL), afirma que, se executada, a ordem de retirada iria afetar "diretamente mais de mil famílias".

O município cita que a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular recomendou à prefeitura que fizesse à identificação dos moradores em situação de vulnerabilidade para "adoção de medidas emergenciais e inclusão em políticas habitacionais". Entretanto, isso poderia gerar um colapso na cidade de 14 mil moradores. "[Isso] extrapola as capacidades e competências municipais legalmente estabelecidas".

Área da fazenda Jurema (MA)

“A Prefeitura de São Pedro da Água Branca não dispõe de estrutura logística, técnica e orçamentária suficiente para absorver, de forma autônoma, os efeitos sociais da reintegração, seja por meio de políticas de acolhimento, reassentamento ou inclusão imediata em programas habitacionais”.

Ofício à Justiça.

Moradias há 40 anos

Segundo relatório produzido em novembro de 2024 pela Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, após visita às cinco áreas ocupadas, existem duas ocupações (a Sapucaia e a Traíra) "consolidadas, com moradores antigos, organização interna e infraestrutura".

Na comunidade Traíra, são 110 famílias, sendo a maioria dos moradores "composta por idosos, que trabalham com a roça cultivando mandioca, quiabo, maxixe e limão. "Predominantemente são aposentados, o que eleva a vulnerabilidade da comunidade que dependem da agricultura de subsistência", diz.

A maior área ocupada, porém, é o acampamento Sapucaia, onde vivem cerca de 300 famílias. O documento aponta que desde 2019 os moradores têm enfrentado dificuldades para regularizar o fornecimento de energia elétrica.

Sede da Associação do Assentamento Sapucaia

Além dos moradores antigos, o documento ainda cita que foram identificados "posseiros individuais com construções de alvenaria em estilo de chácaras e lotes individualizados", que mostrariam a existência de um "perfil especulativo" de outras áreas.

"As pessoas aqui se encontram completamente vulneráveis e psicologicamente abaladas", conta à coluna Edineia Soares de Souza Silva, presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Sapucaia.

Segundo ela, há moradores que vivem nas terras há pelo menos 40 anos. Agora, na iminência de um despejo, alguns deles têm "surtado" em meio a um clima que mistura medo, tristeza e revolta.

“Imagina como se sente uma mãe ou pai de família que está há 40 anos sofrendo ameaças de ser despejado da única coisa que tem vida, que é uma casinha de barro ou taipa, e chega uma empresa multimilionária alegando ser dono das terras depois que a pessoa já viveu uma vida toda... São pessoas muito pobres, e a única renda dessas pessoas, muitas vezes, é só o Bolsa Família”.

Edineia Soares.

São Pedro da Água Branca


Diálogo por terras

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) abriu apenas este ano um processo para desapropriação de 2.300 mil hectares (10% da área total da fazenda).

Em nota, MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e Incra informaram que "estão dialogando com as instituições do sistema de justiça, autoridades policiais, governo do estado e Suzano em busca de uma negociação para solução consensuada da questão".

O problema, porém, também tem a ver com prazo: a Justiça negou pedido do Incra para entrar no processo após o trânsito em julgado. O órgão entrou com recurso no dia 17 de julho, onde pede reconsideração —ainda não há decisão.

O órgão federal argumenta que tem uma proposta "potencial de viabilizar solução estrutural e duradoura para o litígio" e cita o processo administrativo para desapropriar 2.334 hectares da fazenda Jurema e destiná-lo à reforma agrária.

O processo está em fase de análise pela Diretoria de Obtenção de Terras, e após isso, será submetido ao Conselho Diretor. "Uma vez aprovado, será encaminhado ao MDA e à Casa Civil da Presidência da República para a edição do decreto de declaração de interesse social", informa.

Também em nota, a Suzano confirmou o diálogo com o governo federal. "O acordo também prevê que não haverá oneração à empresa pelos danos ambientais ocasionados pelos ocupantes das áreas invadidas, assim como reconhece as outras Fazendas no estado como tituladas para a companhia", diz.

Sobre as comunidades locais, a empresa explica que adquiriu a fazenda em 2009. "Desde então ocorreram duas reintegrações de posse, sendo a última em 2011, ano em que a área foi novamente invadida. Após a reinvasão, a companhia seguiu com o processo judicial, obtendo sentença favorável em 2014", diz, em referência à ação que resultou na ordem de reintegração.

“Diante dessa decisão definitiva, o processo seguiu seu curso com a expedição de novos mandados de reintegração, avaliações de campo, recursos e decisões em diferentes instâncias, com determinação de cumprimento da sentença em julho de 2024”.

Suzano.

A empresa ainda diz que, caso não se alcance um acordo, "a companhia confia que tais inconsistências serão devidamente apreciadas pelo judiciário nacional, restabelecendo-se a ordem de reintegração de posse".

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