segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Para Economista PEC dos gastos não ameaça Saúde e Educação. O Piso delas está garantido!

Chiadeira contra teto não virá de educação e saúde, afirma especialista

Alan Marques/Folhapress
Raul Velloso para a entrevista da 2ª
Raul Velloso para a entrevista da 2ª
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O teto de gastos do governo federal, proposta que visa limitar a expansão das despesas públicas nos próximos 20 anos, será posto à prova com a "chiadeira" provocada pela disputa por verbas, prevê o especialista em contas públicas Raul Velloso, 70.
Mas o economista aposta que as maiores queixas não virão das duas áreas vistas como as mais ameaçadas pela iniciativa, saúde e educação.
TETO DE GASTOS PÚBLICOS
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"Agricultura, reforma agrária, justiça, relações exteriores estarão no alvo do ajuste", diz. "Enquanto as reformas que possam diminuir os gastos em Previdência não acontecem, o único jeito será pegar a arraia-miúda. Os que normalmente são arrochados serão muito mais arrochados."
Para sobreviver aos entraves à sua implementação, o teto terá que ser acompanhado urgentemente por uma reforma da Previdência, afirma Velloso. Ele, por sua vez, sugere um caminho de menor resistência: mexer em benefícios do setor público. Em seus cálculos, o deficit da União e dos Estados com inativos atingiu 2,3% do PIB no ano passado, ou R$ 137 bilhões.
Aprovada em primeiro turno na Câmara, a PEC (proposta de emenda constitucional) do teto de gastos tramita no Congresso. Com ela, o governo prevê reajustar as despesas públicas apenas pela inflação até 2025, com possibilidade de renovação até 2036. O objetivo é colocar em ordem as contas do governo, que neste ano terão saldo negativo recorde de R$ 170,5 bilhões.
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Folha - Como avalia a proposta de teto para o crescimento dos gastos públicos?
Raul Velloso - A PEC estabelece que o gasto da União não crescerá mais do que a inflação, mas na verdade ela disciplina pouco os componentes do gasto total do governo.
Quando se estabelece uma meta como essa, se está dizendo que os itens individuais que crescerem acima da inflação terão que ser compensados por outros. O problema é que o grosso dos gastos está sujeito a regras constitucionais que fazem com que eles cresçam mais do que a inflação.
Quais gastos?
Previdência e assistência são 50% do gasto do governo federal e estão fora da regra porque têm correção própria. O valor dos benefícios é corrigido, na menor das hipóteses, pela inflação. Assim não sobra nada para o crescimento do número de pessoas atendidas. E esse número está crescendo entre 3,5% e 4% ao ano.
Como a população está envelhecendo, vai crescer o número de idosos e, portanto, o número de beneficiários.
Ou seja, se quiser que esses itens cresçam só pela inflação, das duas uma: ou teria que mudar a regra de correção dos benefícios, para ser menor do que a inflação, o que é muito difícil no Brasil, ou precisa fazer reformas que inibam as aposentadorias.
O governo diz que, após o teto, vem a reforma da Previdência.
Eu teria optado pelo caminho inverso, mas não estou sentado lá para medir o clima político. E a opção já foi feita.
Por quê?
Eu teria começado por algo que envolvesse alguma reforma da Previdência, que aliás é a proposta que eu apresentei ao presidente Michel Temer. Fui junto com os governadores para falar sobre a necessidade de uma reforma no setor público.
Temos que enfrentar esse problema, porque dar a tarefa de administrar o crescimento total do gasto ao ministro da Fazenda, sem providências nas entranhas da despesa, é difícil.

Como é sua proposta? O governo indica que pretende aumentar a idade mínima exigida para a aposentadoria.
Minha proposta é diferente, pois foca na previdência do setor público, que me parece a mais grave. Envolve a União, Estados e municípios maiores, que por enquanto foram deixados de lado, mas têm um gigantesco buraco com o pagamento de inativos.
Eu iria por esse caminho, porque seria a reforma mais fácil de aprovar, além de ser muito importante também no problema fiscal dos Estados.
A previdência do setor público beneficia um grupo pequeno em relação à população. E quando se propuser reduzir benefícios ou aumentar a contribuição dos servidores, acha que a população não vai achar ótimo? É um sistema privilegiado. A resistência será maior ao mexer nas aposentadorias de valor mais baixo.
Se o que conspira contra o teto é a disputa por recursos, a reação natural é: 'Então é só aprovar a reforma da Previdência'. Falar é fácil. Se o governo achasse fácil, já tinha feito. Eles estão preparando, e como estão pensando em tudo, acho que é o caminho mais tortuoso. Vai demorar mais e vai sofrer mais resistência. E precisamos conter ou o crescimento do número de beneficiados ou o crescimento do valor dos benefícios. E isso se faz com reforma.
Sem reforma da Previdência, o teto é inócuo?
Não, mas é um grande desafio à sua implementação. Por isso, tenho dito que a PEC não é uma Brastemp, pois requer um segundo passo e o diabo mora na implementação.
O ministro da Fazenda terá uma emenda dizendo que o gasto total não pode crescer mais que a inflação. Mas isso depois que eles verificarem o que sobra para gerenciar, porque o aumento da Previdência vai acontecer à sua revelia.
O Tesouro vai dizer: 'Está crescendo na Previdência, vamos ter que compensar noutro lugar'. Ele vai chamar outro ministro e dizer: 'Lamento, terei que compensar em você'. Que por sua vez pode dizer: 'Por que não ajusta no outro?'
Está na cara que vão direto no investimento, e é obvio que vai haver uma chiadeira monumental. Não virá da saúde nem da educação, porque o piso deles está protegido. Se eu fosse ministro da Saúde ou da Educação, estaria feliz da vida. Não poderiam compensar em mim e, segundo, estou começando sobre uma base de gastos que não é muito ruim.
Então onde vai ter chiadeira?
No investimento, no custeio geral, porque vão ter que cortar alugueis, contratos de prestação de serviço. Agricultura, reforma agrária, Justiça, Relações Exteriores estarão no alvo do ajuste. Enquanto as reformas que possam diminuir os gastos em Previdência não acontecem, o único jeito será pegar a arraia-miúda. Os que normalmente são arrochados serão muito mais arrochados.
Mas a preocupação geral tem sido com saúde e educação.
Porque todo mundo é cego. A única disciplina dos componentes do gasto é o piso de saúde e educação, que será corrigido pela inflação. Na realidade, é uma proteção para não haver corte nas áreas, mas está sendo interpretado como o contrário. Nenhum outro item vai poder crescer às custas de educação e saúde.
Quem trabalha nas duas áreas estará protegido, porque são pagos pelos orçamentos de ministérios protegidos. É só não contratar tanto e dar reajuste pela inflação.
Há outro orçamento que precisamos pensar, que é o dos Poderes autônomos [Judiciário, Tribunais de Contas, Ministério Público e Defensoria]. A emenda diz que todos estão sujeitos ao limite global. Só que os Poderes já começaram a dizer que têm autonomia financeira e administrativa prevista na Constituição. Eles vão resistir, e aí entra uma disputa de poder complicada. Porque uma coisa é o ministro da Fazenda cortar na Agricultura, outra é nos outros Poderes.
É possível que o Executivo tenha que cortar mais para acomodar os outros Poderes?
É possível, depende do jogo político. Talvez os poderes digam: 'Eu faço um pedaço e você faz o outro por mim'. No gasto com pessoal, certamente vão tentar relaxar a regra.
Vinte anos para o teto é muito?
Esse é o menor dos males, porque tem possibilidade de revisão em dez anos. Além disso, você acha que há alguma emenda que resista à constatação de exagero no controle de gastos? Isso muda na hora, e com quórum dobrado. Se antes de dez anos o dinheiro começar a jorrar pela janela, vai ter outra emenda fácil.
Há grande polarização entre críticos e defensores da proposta de teto. Qual o seu lado?
Não gosto de nenhuma das duas posições. É bom ter o teto, mas ele precisa ser complementado urgentemente com iniciativas como [as mudanças na] Previdência do setor público. Ele só ganha musculatura se a sua chance de implementação aumenta.
Acho bom, porque estávamos numa crise fiscal aguda. Mas isso não quer dizer que eu acredite que não haverá dificuldade em implementar. Por isso, precisamos fazer as outras coisas que vão resolver parte grande do problema.
RAIO-X - Raul Velloso
FORMAÇÃO: Economista formado pela Uerj com mestrado na FGV e em Yale (EUA), e PhD em economia por Yale
ATUAÇÃO: Foi coordenador do Ipea (1981-1984), secretário para assuntos econômicos do Ministério do Planejamento (1985-1989) e secretário adjunto do ministério (1990-1991). Integrou os conselhos de administração da Embraer e do BNDES. Atualmente é consultor 

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