Sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010, morre ROSIMEIRI Monteiro Silva, 25 anos, jovem mãe de três meninos e uma menina. Presumidamente, suicídio, envenenamento por “chumbinho”, poderoso raticida clandestino. Rosimeiri era a filha de Sebastião Alves da Silva, 57 anos, e Maria José da Silva Alves, 53 anos.
Em meados de setembro do ano passado, Rosimeiri denunciou o pai Sebastião, por violência sexual contra a neta (sua filha), e conta si própria, o que vinha acontecendo desde seus oito anos, o que a levara, forçada, a sair de casa aos 13 anos,”para se juntar...”. Denunciou ainda que seu pai violentava sua irmã mais velha, pessoa com deficiência mental, chegando a engravidá-la, mas a criança morrera logo após nascer...
Rosimeiri fez sua parte, como filha, como mãe e como cidadã brasileira: denunciou, como aliás, pregam as autoridades (denunciem, que a gente vai dar um jeito ...). O “Jornal do Maranhão”, Edição n.° 352, Ano XV, 18 a 24 de setembro de 2009, noticiou o fato.
O pai foi preso, mas o artifício foi porte ilegal de um revolver calibre 38. ( O que ele tentou justificar, “surpreso”: não tem nada a ver com abuso sexual...). Ficou preso por pouco mais de cinco meses, solto a uns dez dias. Ele livre, e em seguida, a filha, Rosimeiri, que o denunciou, morre, envenenada... Mais uma “Fatalidade”, entre tantas fatalidades...?
Não é o que acho. Eu acho que sou burro, mas essa burrice tem a ver com indignação, com inconformismo. Basta de atribuir à “Fatalidade” o desenlace bárbaro de tantos casos, como os dos recentes assassinatos dos adolescentes acaliandense que cumpriam medida socioeducativa sob “ a guarda do e Estado\governos”... “Fatalidade”, tem sido a resposta “oficial” para tantas mortes ... A morte de Rosimeiri é mais uma “Fatalidade”... O envenenamento de Rosimeiri foi testemunhado por um bocado de gente, inclusive crianças. Ela ingeriu o “chumbinho”, com gente por perto, assistindo... E assistiram sua agonia, desencadeada pelo rápido e fatal e efeito do veneno... Chegaram a levá-la ao Hospital Municipal, mas foi em vão... Uma “Fatalidade”, Rosimeiri se foi...
O inadmissível, entre tantas inadmissibilidades de toda a história: como pode Sebastião, preso por mais de cinco meses (por porte ilegal de arma, por estupro de vulnerável, por abuso sexual, ou o quê...?), seja solto e retorne para casa, para as filhas que abusara, para a neta vulnerável que estuprara? Para a esposa, que constrangera Rosimeiri sair de casa, pressionada e esculhambada por ter denunciado o pai, penando cadeia?
Que tentara até vender a casa, para pagar a “soltura” do marido ( o pai e avô acusado e preso por violência sexual...)? A mesma casa que o pai e avô alegava ser o motivo para “a denúncia maldosa e interesseira" de Rosimeiri?... Gente da vizinhança, gente simples, ignara, ficou perplexa com a “soltura” de Sebastião e sua volta para casa: “como pode, cadê a lei, cadê justiça, isso não pode, isso não vai dar certo, ele vai querer descontar, vai sobrar pras filhas, pra neta..”. Essa gente sabia, previa, as autoridades, essas sabiam, previam?
O inadmissível é admitir que Sebastião voltasse para casa numa boa, reconciliado com todos e todas, perdoando-se mutuamente com Rosimeiri e a outra filha, a neta... Ou será que passou mais de cinco meses preso injustamente, estupendo engano jurídico? Ou será que nesse tempo trabalhou-se tão bem o caso, todos e todas foram bem atendidos, todos os problemas foram resolvidos, a paz era inevitável?... SE ERA ASSIM, POR QUE MORREU ROSIMEIRI?
A vida de Rosimeiri deve ter sido um verdadeiro inferno, usada e abusada sexualmente pelo pai, desde os nove anos até a idade adulta! Sem contar com o apoio da mãe, pelo contrário, ela condenada, assim como por parentes paternos! E depois ainda constatar que sua filha, quase a mesma idade dela quando começou ser violada, ser também usada e abusada pelo avô! É muita coisa para um ser humano , é preciso ter estrutura para suportar... Essa maldita cultura machista, que considera “ a menina é que provoca, elas é que buscam, atentam os coitados dos homens, coitadinhos quietinhos no seu lugar... tão pedindo prá serem estupradas...”!
Mas tinha mais ainda: a denúncia, a repercussão da denúncia, a prisão do pai e a condenação dela por boa parte da família, o inquérito\processo judicial, a “Cpi Estadual da Pedofilia” (onde o pai e a mãe depuseram), e por fim, a liberdade do pai, o retorno do pesadelo, a continuidade de tudo quanto e como antes vivera, Rosimeiri não aguentou, ela implodiu...
Não foi “suicídio”, ela foi levada a se matar,a dar cabo de sua infeliz e desgraçada existência. Foi assassinato, uma morte anunciada em crônica, à maneira de Gabriel Garcia Marques. Não foi “Fatalidade”, afinal, morrer todos morremos, chega a hora não tem jeito, mas seria agora a hora dela? Não, foi uma sucessão de erros, negligências, omissões, cúmplices de sua morte. Faltou acompanhamento, faltou assistência, faltou comprensão, faltou justiça. Rosmeiri era uma mulher extremamente fragilizada que merecia atenção especial, e foi relegada a segundo plano. Como tem sido relegada a segundo plano sua filha, a neta violada (incrível é que poderá continuar a ser criada, educada, pelos avós, na mesma casa que a infelicitou e sua mãe!...). Afinal, que interesse há, há coisas mais importantes a cuidar e resolver, que estas... O próprio Sebastião, inocentado pela justiça dos homens, terá a sua chance de reconstruir a vida, com todo direito a toda assistência, chance que Rosimeiri não teve... Sebastião não tem mais contas a prestar aos homens, só a Deus...
A morte de Rosimeiri é um golpe contra os Direitos! Enfraquece e desmoraliza a denúncia, dando vez e voz ao povo alienado (... denunciar prá que, prá depois só se ferrar?...). Robustece a impunidade ( ... quem paga o pato não é quem faz, é quem sofre...). Deixa sérias dúvidas sobre a capacidade e a eficácia de nosso sistema de atendimento e proteção a vítimas de violência, incapaz de tratar, de resolver, de preservar... Mas nos deixa legado: que aprendamos a lição, e de imediato, se assista a família, sobretudo a menina violada, como também o pai e avô presumido violador sexual. E que se repensemos o sistema de atendimento, não se pode perder mais vidas desse jeito, assim tão... gratuitamente...
Deus possa te perdoar, Rosimeiri, pelo seu gesto tresloucado e desesperado, mas você teve todas as razões para tanto! E nos perdoa pelas nossas faltas, pelos nossos erros e omissões! Nos perdoe por esta “Fatalidade”! Deus te receba e acolha, Rosimeiri! Pela Eternidade!
Fonte: eduardohirata.blogspot.com