Projeto que acaba com a isenção do tributo foi
aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira (28). Medida ainda vai
passar pelo Senado
Caso o Senado Federal aprove
o projeto
de lei que acaba com a isenção do imposto de importação para compras
internacionais de até US$ 50, os produtos estrangeiros adquiridos pelos
grandes e-commerces globais poderão ficar 45% mais caros para os
brasileiros.
O projeto, aprovado
pela Câmara dos Deputados nesta terça-feira (28), prevê que, agora, os
produtos com preços de até US$ 50 serão tributados com um imposto de
importação de 20%, além do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação
de Serviços (ICMS), que vai para os estados, de 17%.
Seguindo as regras aduaneiras, os 20% do
imposto de importação serão cobrados em cima do valor do produto (mais
eventuais cobranças de frete ou seguro), enquanto os 17% do ICMS vão incidir
sobre o valor da compra já somado ao imposto de importação, explica Fabio
Florentino, sócio da área tributária do escritório Demarest.
👗POR EXEMPLO: Uma compra que, no total, custe US$ 50
terá a cobrança, primeiro, dos 20% do imposto de importação, passando a custar
US$ 60 para o consumidor final. Depois, haverá a incidência dos 17% do ICMS
sobre esses US$ 60, com o valor final para o consumidor chegando a US$ 72,29 -
ou cerca de R$ 390,36, com a atual cotação do dólar turismo.
Atualmente, com a isenção de imposto de
importação para compras de até US$ 50, o ICMS seria cobrado apenas em cima do
valor da compra, os US$ 50, custando para o consumidor US$ 60,24 (ou R$
325,30), uma diferença de R$ 65.
A medida foi incluída no projeto que cria o
Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que visa criar incentivos para
estimular a indústria de veículos sustentáveis. (entenda mais abaixo)
Os debates sobre a taxação de compras
internacionais vêm acontecendo desde o ano passado e, mais recentemente,
chegaram até a gerar
um bate-boca entre parlamentares e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Veja, abaixo, outros exemplos de quanto alguns
produtos podem custar, caso o projeto seja aprovado sem alterações.
Impostos
devem equilibrar a disputa entre indústria nacional e e-commerces estrangeiros
Para Fabio Florentino, da Demarest, a volta da
cobrança do imposto de importação para compras de até US$ 50 é uma medida que
pode beneficiar as empresas brasileiras, para que fiquem em "pé de
igualdade, sobretudo, com os e-commerces da China".
"Esses sites já têm uma série de vantagens
em relação às empresas brasileiras, como uma mão-de-obra mais barata e muito
mais acesso à tecnologia, o que torna o produto muito mais barato. Se não
houver um imposto quando o produto chega ao país para o consumidor, fica
impossível das empresas nacionais competirem", afirma.
O advogado Flávio de Haro Sanches, da CSMV
Advogados, compartilha do mesmo ponto de vista e destaca que, além do cenário
mais justo para a competição, as empresas brasileiras também tem processos que
fazem com que os produtos produzidos aqui sejam averiguados com critérios muito
mais rigorosos que aqueles que vêm de outros países.
"Mesmo que o governo exija das empresas
estrangeiras regras para assegurar os produtos, é muito mais difícil ter
controle sobre eles do que os que são feitos aqui", pontua Sanches.
Em nota, a Shein, um dos e-commerces
estrangeiros mais populares do país, afirmou que enxerga como um retrocesso o
fim da isenção do imposto de importação. "Uma vez que ele nunca teve
função arrecadatória, a decisão de taxar remessas internacionais não é a
resposta adequada por impactar diretamente a população brasileira", diz a
companhia.
Como é a cobrança do imposto atualmente?
Desde agosto do ano passado, o
governo vinha isentando as compras internacionais feitas na internet de até US$
50. A medida foi implementada por uma portaria publicada em junho
pelo Ministério
da Fazenda.
De acordo com as regras, as empresas que
aderissem ao programa Remessa Conforme, da Receita Federal, e
recolhessem o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
estariam isentas da cobrança.
O programa do Fisco também estabelecia uma
série de critérios que as empresas do comércio eletrônico devem seguir, tais
como:
O repasse dos impostos cobrados;
O detalhamento de informações sobre valores de
impostos, tarifas postais e demais despesas para o consumidor;
Os pacotes enviados ao consumidor devem conter,
de maneira visível e no campo do remetente, a marca e o nome da empresa
vendedora;
O combate ao descaminho e ao contrabando;
O recolhimento de ICMS, atualmente com uma
alíquota de 17%.
Como ficaria a cobrança de tributos com as
novas regras?
Agora, caso o projeto seja aprovado sem
mudanças, a isenção de impostos para compras internacionais de até US$ 50
deve acabar.
Em seu lugar, um imposto de 20% sobre as
vendas deverá ser cobrado.
Para compras acima de US$ 50, o Imposto de
Importação de 60% continuará valendo.
O valor reduzido para compras internacionais de
até US$ 50 foi definido por um acordo
entre o Congresso e o governo federal.
A medida foi incluída no projeto que cria o
programa Mover pelo relator, o deputado Átila Lira (PP-PI). Em sua
justificativa, o deputado afirmou que a isenção tem “preocupado a indústria
nacional”.
“Propomos revogar a possibilidade de
importações via remessa postal que hoje estão isentas, para não gerar
desequilíbrio com os produtos fabricados no Brasil, que pagam todos os impostos
e sofrem com a concorrência desleal de produtos isentos do exterior”, disse.
A Secretaria da Receita Federal informou que a
isenção para compras internacionais de até US$ 50, se mantida pelo governo
federal, resultaria
em uma "perda potencial" de arrecadação de R$ 34,93 bilhões até 2027.
Como tudo aconteceu?
As discussões sobre como o governo deve taxar
as compras internacionais vêm acontecendo desde o ano passado.
À época, o
governo tentou retirar a isenção para compras de até US$ 50 — que
valia apenas para remessas internacionais entre pessoas físicas —, sob o
pretexto de que varejistas do exterior se usavam disso para burlar o Fisco.
A iniciativa teve uma má repercussão e, após
idas e vindas, o
governo decidiu criar o programa Remessa Conforme. Em suma, as
varejistas que se cadastrassem no programa pagariam apenas o recolhimento do
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que passou a ser
de 17% para todo o país.
A decisão foi mal-recebida pela indústria e
pelo varejo domésticos, que continuamente diziam que a medida trazia um
desequilíbrio de competitividade.
Entenda, agora, a cronologia dos fatos:
11 de abril de 2023
Em abril do ano passado, o Ministério da
Fazenda e a Receita Federal anunciaram a extinção
da isenção para o comércio internacional entre pessoas físicas.
A decisão foi reafirmada ao g1 três dias depois, em
14 de abril, pela Casa
Civil da Presidência da República e pela Fazenda. Isso porque, segundo
o governo, a isenção de transações internacionais de até US$ 50 entre pessoas
físicas vinha sendo usada de maneira irregular por varejistas
internacionais.
Ainda de acordo com as pastas, essas
empresas estariam se “disfarçando” de pessoas físicas para enviarem
encomendas de forma fracionada para compradores brasileiros. O objetivo seria
não pagar o Imposto de Importação (de 60%), cobrado de todas as compras de
importados.
18 de abril de 2023
Com a má repercussão da medida, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu o recuo da decisão, tendo
solicitado à equipe econômica que buscasse resolver a questão de forma
administrativa, com reforço na fiscalização.
Em conversa com jornalistas, o ministro da
Fazenda, Fernando
Haddad ressaltou que a isenção era apenas para pessoas físicas e que
o governo
buscaria formas para aumentar a fiscalização e taxar empresas que
burlassem as regras para receber o benefício de forma irregular.
"O presidente nos pediu ontem para tentar
resolver isso do ponto de vista administrativo. Ou seja, coibir o contrabando.
Nós sabemos aí que tem uma empresa que pratica essa concorrência desleal,
prejudicando todas as demais empresas, tanto do comércio eletrônico quanto das
lojas que estão abertas aí, sofrendo a concorrência desleal dessa
empresa", disse Haddad à época.
30 de junho de 2023
Em junho, a Fazenda publicou
uma portaria com as novas regras para compras internacionais feitas pela
internet. Pela norma, o governo deixaria de cobrar o Imposto de
Importação de compras on-line desde que as empresas aderissem ao programa
Remessa Conforme, da Receita Federal.
Em suma, quem se cadastrasse pagaria apenas o
recolhimento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
cobrado em compras feitas em plataformas online de varejistas internacionais,
que passou a ser de 17% para todo o país.
Pela portaria, empresas que não cumprissem com
as novas regras do governo continuariam sendo taxadas pelo Imposto de
Importação de 60%.
1º de agosto de 2023
As normas de isenção de impostos para compras
internacionais de até US$ 50 para as empresas que aderissem ao Remessa
Conforme passaram
a valer em agosto de 2023.
À época, especialistas disseram em entrevistas
ao g1 que os consumidores
poderiam sentir
algumas diferenças nos preços com o novo programa.
Nas compras abaixo de US$ 50, por exemplo,
apesar da isenção da taxa de importação, a incidência do ICMS, com alíquota de
17% — que muitas vezes não acontecia devido à dificuldade de fiscalização por
parte da Receita —, ainda pode trazer impactos nos preços.
Já no caso das compras acima de US$ 50, embora
a tributação continue a mesma, a expectativa é que as regras de conformidade do
novo programa mitiguem a sonegação de impostos, de maneira que empresas que
antes usavam artifícios para driblar a cobrança, não conseguirão mais fazê-lo —
o que também pode resultar em um eventual aumento de preços.
2 de outubro de 2023
Em outubro, o g1 mostrou que clientes
sentiram diferença no tempo de entrega de encomendas internacionais
com as novas medidas — o que incentivava a aquisição de produtos vindos do
exterior.
A rapidez se dava porque a prestação de contas
tributárias à Receita Federal era feita de forma antecipada, reduzindo os
processos após a chegada dos pacotes, de forma que o Fisco só precisava fazer
as checagens de segurança antes de liberar o envio.
A medida continuou a trazer críticas por parte
da indústria e do varejo nacionais.
À época, a Associação Brasileira dos Lojistas
Satélites de Shoppings (Ablos), por exemplo, afirmou que a medida trazia
"muitos danos" ao país, reiterando que a "falta de isonomia
tributária dos varejistas brasileiros com a isenção de impostos para as plataformas
de marketplace estrangeiras teriam um impacto significativo no aumento do
desemprego do setor".
"Essa disparidade cria uma competição
desleal entre os varejistas nacionais e estrangeiros, resultando em
consequências negativas para a economia brasileira”, disse a associação em
posicionamento divulgado na época.
29 de novembro de 2023
Em novembro, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB)
chegou a dizer que o "próximo passo" do programa Remessa Conforme
seria reinstaurar
o imposto de importação para varejistas estrangeiras.
"Foi feito o trabalho nas plataformas
digitais para formalização dos importados, já começou a tributação de ICMS e o
próximo passo é o imposto de importação, mesmo para os com menos de US$
50", disse Alckmin à época.
As falas voltaram a gerar uma repercussão
negativa, o que fez com que o assunto esfriasse novamente.
22 de maio de 2024
Na semana passada, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, que participou de uma audiência pública da Comissão de
Finanças e Tributação da Câmara dos
Deputados, afirmou que o programa Remessa Conforme serviu
para dar transparência ao problema de entrada de produtos que burlavam a
Receita Federal.
Haddad também indicou que a decisão de retomar
as taxas será tomada em debate com o Congresso e com base em evidências.
"O Remessa Conforme é para dar
transparência para o problema. Saber quantos pacotes estão entrando, quanto
custa, quem está comprando, para dar transparência para vocês tomarem a
decisão. Tem que ter a coragem de tomar a decisão. Mas antes de tomar a decisão
tem que se debruçar sobre o que está acontecendo no país", disse durante a
audiência.
Sua participação chegou até a gerar
um bate-boca do ministro com o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP),
que questionou a linha do PT de aumentar a
arrecadação por meio de alta de tributos, e afirmou que teria havido uma briga
entre deputados do PT e o governo na última semana sobre o assunto.
Lula diz que 'tendência é vetar' possível fim
da isenção a compras internacionais
23 de maio de 2024
No dia seguinte à participação de Haddad na
audiência pública, o presidente Lula afirmou que a
tendência no governo era vetar
a retomada do imposto federal sobre importações de até US$ 50, se a volta
da tributação for aprovada pelo Congresso Nacional.
Ele afirmou, no entanto, que estava aberto a
negociações.
"Eu só me pronuncio nos autos do processo
(risos). A tendência é vetar, mas a tendência também pode ser negociar",
afirmou Lula a jornalistas no Palácio do Planalto.
28 de maio de 2024
Após dias de negociação, o comando da Câmara
dos Deputados fechou
acordo com o governo federal para que o imposto de importação
sobre compras internacionais de até US$ 50 fosse de 20% – bem menor que os
60% cobrados para compras superiores a esse valor.
Os 20% foram aceitos pelo presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), com a contrapartida de que Lula não vete a proposta. Com
isso, a Câmara dos deputados votou e aprovou
o projeto na última terça-feira (28).