O penúltimo debate presidencial começou atrasado. Quem sintonizou a Record na hora marcada, onze da noite, deu de cara com ‘A Fazenda’. Quem esperou talvez não tenha se dado conta, mas as diferenças entre um programa e outro foram sibilinas.
Dilma Rousseff e José Serra portaram-se como personagens do reality show que os precedeu, uma espécie de versão rural do Big Brother, da Globo. Confinados na campanha há quatro meses, como que anteciparam os movimentos um do outro.
A sequência de nove debates –serão dez até o final de semana— deixou-os calejados. Dizem que são sinceros. Mas quem os vê sente-se tentado a lançar mão de um jargão comum aos espetáculos do gênero: Eles estão jogando.
A isso foram resumidos os debates: um grande jogo, um reality eleitoral. Com uma diferença: em vez de entreter, o show aborrece a platéia. Os contendores recorreram a todos os estratagemas para atingir seus subterfúgios.
Procuraram não parecer o que são. Afinal, o outro pode não ser o que parece. Ou pior: pode ser e parecer. Em desvantagem no jogo, Serra lançou uma primeira casca de banana. Perguntou sobre os planos da rival para “banda larga”.
Sem pressentir que o alvo do contendor era outro, Dilma respondeu que a internet rápida já chegou a 65% das escolas. O acesso só não é maior porque São Paulo não aderiu ao programa, acusou.
Na réplica, Serra mostrou a garra: “O problema da candidata é de gestão”. Afirmou que o plano de banda larga, costurado na Casa Civil, é ruim. “Quem lançou o projeto mal feito foi a Erenice, que, aliás, hoje depôs na PF sobre seus malfeitos”.
Serra não queria falar de internet. Queria mesmo era devolver a “braço direito” de Dilma aos holofotes. O problema é que, a essa altura do jogo, a rival já desenvolveu antídotos contra o veneno. Para o Erenicegate, o remédio é o Dersagate.
“Hoje, a seis dias da eleição, de fato, a Erenice depôs. O que dizer de Paulo Preto, que não só não depõe, mas quando ele ameaça vocês escondem?” E Serra: “Esse assunto é fantasioso. Você fala para dar a ideia de que é todo mundo igual na política. Não é não!”
Como nas brigas travadas à beira da piscina da casa da Globo ou na roça da versão agreste da Record, Serra tratou de adensar a lama. Citou “um fulano chamado Valter Cardeal”, homem de “confiança” da antagonista no setor elétrico. “Deu vários golpes, mas a Dilma continua defendendo ele”.
Serra prosseguiu: “A Dilma foi testemunha de defesa do José Dirceu, apontado como chefe de quadrilha. Foi lá [no STF], como testemunha de defesa, fez uma fala carinhosa, empolgante sobre a moralidade do José Dirceu”.
Hora de Serra perguntar. Ele escolhe seu tema predileto: saúde. “Andou pra trás”, ele martela. “Qual a sua proposta... Não o trololó, proposta concreta”. Dilma assume o controle do balde de lodo:
“O Serra, presssionado, inventa trololó, gosta de enrolar. É importante que reponda pelo sr. Paulo Preto. É braço direito e esquerdo. Se duvidar, é a cabeça também”. A candidata torrou o seu tempo com o Dersagate.
Mencionou a flexibilização dos contratos que permitiu às empreiteiras usar material mais barato nas obras. Citou a queda de três vigas num viaduto do Rodoanel. “Um dos motivos dos motivos levantados é o uso de material de baixa qualidade”. Laudos técnicos afastaram a suspeita. Mas quem se importa? É o jogo.
Sem a participação de jornalistas, o debate não teve perguntas, mas pegadinhas. Tachado de privatista, Serra trouxe a vacina de casa. Acusam-no de defender para o pré-sal o modelo que concede às empresas multinacionais a exploração das jazidas.
“Se isso é privatização, a Dilma fez mais”, atacou. Como presidente do conselho de administração da estatal petroleira, disse Serra, “a Dilma entregou a exploração de petróleo a 108 empresas privadas, metade estrangeiras”.
E Dilma: “Você está fazendo, de novo, deliberada enrolação”. Descoberto o “bilhete premiado” do pré-sal, ela alegou, suspenderam-se os contratos e modificou-se o modelo. A coisa seguiu nessa diapasão até o final.
Dilma provocou: “Você ficou caladinho quando mudanram nome para Petrobrax, substituindo o Bras de Brasil”. Serra crispou-se: “A Dilma fala que minto, mas ela é profissional nessa arte”. Explicou que, sugerida por um direito, a troca de logomarca, foi recusada pelo governo FHC.
Em duas oportunidades, Dilma martelou: Sob Lula, criaram-se 15 milhoes de empregos, contra 5 milhões da era FHC. No debate anterior, Serra silenciara. Agora, já desenvolveu uma vacina que, se não imuniza, confunde.
Alegou: O que aumentou não foi o número de carteiras assinadas, mas a fiscalização. Graças, aliás, à unificação da Receita com a Previdência, apoiada pelo PSDB. As insinuações avolumaram-se. “Você não conhece o Nordeste”, disse Dilma a certa altura. “O PAC é uma lista de obras”, fustigou Serra noutro instante.
Acusaram-se um ao outro, várias vezes, de mentirosos. Serra: Você ora defende o aborto ora diz que é contra. Num instante diz que não vestirá o boné do MST, noutro leva o artefato à cabeça. Dilma queixou-se do baixo nível. E foi à canela. Em matéria de mentira, disse ela, Serra é imbatível.
Citou o documento que o oponente assinara, comprometendo-se a cumprir o mandato de prefeito de São Paulo até o final. “Registrou em cartório, depois rasgou”. Registro cartorial não há. Mas o papel, de fato, existe. Serra mudou de assunto.
Para desassossego dos telespectadores, ainda há um debate antes do paredão de domingo (31). Há um imenso leque de assuntos por discutir. Mas os candidatos não parecem dispostos a falar sério. Eles estão jogando... Lama um no outro.