Enquanto uma parte da oposição a Jair Bolsonaro permanece torporizada pelos prolongados efeitos das simbólicas bodas de Lula, ou seja, ainda vivendo em clima lua de mel com a liberdade de ir, de vir e de ser feliz que o petista readquiriu, como se essa condição bastasse para sua vitória nas urnas, a outra metade não consegue escapar dos feitiços retóricos lançados pela extrema direita e acaba fisgada por polêmicas que só interessam ao presidente da República. Sem falar no autodenominado "centro democrático", consumido em disputas fratricidas e, por ora, desprovido de projetos e de massa crítica. Assim, o presidente segue impondo sua agenda, atacando diuturnamente os adversários e ditando o ritmo do jogo. Em termos estritamente eleitorais, a empreitada bolsonarista está facilitada porque o PT de Lula atravessa fase de transição em sua comunicação desde a troca do marqueteiro Augusto Fonseca por Sidônio Palmeira. Na prática, ao menos até aqui, pouca coisa mudou nas últimas semanas no marketing lulista, os petistas parecem não compreender que a chave para combater Bolsonaro está no segundo semestre do ano passado, quando o presidente viveu seu pior período de popularidade, segundo as pesquisas. Naquela ocasião, acossado no Congresso pela CPI da Covid e nas ruas pelas manifestações populares, o governo Bolsonaro bateu, na série da pesquisa nacional Genial/Quaest de outubro, por exemplo, 53% de avaliação negativa, 24% de regular e apenas 20% de positivo. Desde então, a gestão do presidente vem lentamente saindo das cortas. Transcorridos quase sete meses, na mesma série, os números deste maio são 46%, 27% e 25%, respectivamente. Uma melhora evidente. O time da comunicação de Lula tem reunião marcada para esta semana, quando ex-presidente também retoma seus compromissos a após pausa nupcial. Os novos coordenadores da área de comunicação, Rui Falcão e Edinho Silva, políticos experientes, com várias eleições no currículo e sensibilidade para a dinâmica eleitoral, certamente sabem que a campanha de Lula a presidente, em linhas gerais, precisa se assentar em três pilares: 1) convencer o eleitor de que o governo Jair Bolsonaro é ruim, assim como o presidente; 2) convencer o eleitor de que com Lula a vida dos brasileiros pode melhorar; 3) pontuar as diferenças entre os dois oponentes. Os pilares 1 e 3 costumam se conectar quando as campanhas reforçam o que há de negativo em seus adversários. Em uma eleição polarizada como esta, a batalha das rejeições é muito importante, alertam pesquisadores e marqueteiros. Além disso, segundo o cientista Felipe Nunes, CEO da Quaest , "eleitores de renda média que não acreditam mais na vitória da terceira via estão voltando para a órbita do presidente". Para ele, ainda há espaço para Bolsonaro continuar crescendo. Isso significa que, para uma parcela do eleitorado, estão ficando para trás, esquecidas na memória, as mazelas do governo (aquelas de outubro do ano passado) e o comportamento do indecoroso do presidente. No tempo presente, Bolsonaro vai dissolvendo os (muitos) problemas da atualidade em sua mistura diária de golpismo, cortina de fumaça e guerra cultural, que monopoliza o noticiário e pauta o debate nacional. Foi assim com a recente "notícia-crime" de Bolsonaro contra o ministro Alexandre Moraes. O presidente da República tentou transformar em investigado o juiz que comanda inquéritos em que ele, Bolsonaro, é investigado. Não deu certo. Porém, enquanto durou o caso, a inflação, a fome e o desemprego ficarem fora do debate, ainda mais em uma semana em que Lula esteve ocupado com seu casamento com a socióloga Janja. Os colunistas do UOL comentaram o significado do casamento no Radar das Eleições. Se o PT ainda não entendeu a importância de trabalhar para aumentar a rejeição a Bolsonaro, as redes bolsonaristas trabalham dia e noite para manter Lula sob ataque constante. Por isso, vale sempre lembrar que, com Bolsonaro como adversário principal do petista, a vitoriosa fórmula do "Lulinha Paz e Amor", de 2002, tem tudo para transformar o ex-presidente em uma caricatura do que ele já foi um dia. Até porque ele não é o mesmo candidato daquela distante eleição. No meio do caminho, houve um mensalão, uma Lava Jato um governo Dilma Rousseff. Não é preciso dizer mais muita coisa nesse sentido: um prato cheio para o bolsonarismo, que não passa uma semana sem chamar Lula de "ladrão". Em termos eleitorais (avaliação dos candidatos, não do governo), enquanto o índice de rejeição do pré-candidato Bolsonaro melhorou na série da Quaest, o do ex-presidente petista, entre oscilações na margem de erro, está hoje parado nos mesmos 43% de outubro do ano passado. De lá pra cá, Bolsonaro, que atingiu 67% de rejeição em novembro passado, baixou para os atuais 59% do mais recente levantamento, neste mês de maio. O Agregador de Pesquisas do UOL confirma o viés de alta do presidente desde o final do ano passado, registrado também pelo Instituto Datafolha em março último. O novo comando de comunicação de Lula tem de analisar com seriedade a evolução diária dos números para não deixar Bolsonaro correr solto. A meta da pré-campanha do presidente é baixar a rejeição dele em julho, quando a campanha iniciará sua fase decisiva. O PT, portanto, precisa se organizar agora, profissionalizar sua comunicação, especialmente nas redes sociais, e colocar um ponto final nas disputas internas. Precisa falar de pandemia, de inflação e, segundo especialistas, sublinhar as "peculiaridades" do presidente, seu gosto excessivo pelos passeios e viagens, e sua insensibilidade diante dos milhares de mortos da pandemia. Em março último, Lula escreveu no Twitter: "O Lula que está falando com vocês é o paz e amor. Porque um país tem de ser governador com a razão, mas também com o coração". Neste domingo, 22, ele fez outro post na mesma linha: "O Brasil precisa de emprego, salário digno, saúde, educação. E pra isso precisamos de alguém que governe falando de amor, de solidariedade, não de ódio". Agora, é hora de perguntar: até onde Lula vai seguir nessa toada? Quem enxerga longe e entende do riscado alerta: se a rejeição a Bolsonaro não voltar a subir e se a rejeição a Lula não baixar, há a probabilidade de os dois chegarem com uma diferença pequena nas pesquisas da véspera da eleição. Como o próprio presidente faz questão de lembrar todos os dias, esse cenário aumentará os riscos de uma eleição conflagrada. |