(Maria da Penha - questionamentos, preconceitos e intolerância)
O preconceito é
um marco presente na vida da humanidade. E por força desse preconceito a mulher
sofreu grandes perdas, estando, ao longo da história, subjugada às vontades do
homem, a trabalhar como serviçal ou a ganhar um salário injusto.
A discriminação era tamanha, que
se chegou ao ponto de operárias de uma fábrica têxtil (Nova Iorque, 1857) serem
queimadas vivas, após uma manifestação em que reivindicavam melhores condições
de trabalho.
Em razão desses e tantos
outros modos de discriminação, em 08 de março de 1910, realizou-se, na
Dinamarca, uma conferência internacional feminina (na qual se discutiram
assuntos de interesse da classe), decidindo-se que aquela data passaria a ser
consagrada àquelas mulheres mortas carbonizadas.
No Brasil, com a reforma da Constituição
Federal (em 1932), nossas mulheres ganharam isonomia trabalhista com os homens,
além de conquistarem o direito ao voto e a cargos políticos.
No decorrer do
tempo o Brasil vem cumprindo diversos acordos internacionais, com decisões que buscam
a redução da exploração sexual, o fim da violência doméstica e o desenvolvimento
de programas para melhorar a qualidade de vida das mulheres (criando-se,
inclusive, no âmbito federal, a Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres).
Mais uma
conquista brasileira: em agosto de 2006 é editada a Lei 11.340/06 de combate à violência
doméstica (popularmente apelida de “Lei
Maria da Penha”).
A criação dessa lei
trouxe a possibilidade concreta de combater as agruras e o sofrimento causado
às nossas mulheres (decorrentes da violência doméstica reiterada e contumaz,
que, até então, era pouco coibida).
Há avanços para se comemorar.
Mas há, também, muita preocupação com a consolidação dos direitos já alcançados.
E um exemplo de ameaça real às conquistas dos últimos tempos são os
questionamentos da constitucionalidade dessa inovadora Lei, reproduzidos em
várias comarcas e tribunais do País.
Para se ter idéia, a norma que
garante punição para a violência cometida dentro de casa, motivada pela questão
de gênero, chegou a ser classificada como “diabólica”
por um determinado juiz (prova crua de puro preconceito!).
É, infelizmente
ainda paira muita controvérsia em nosso judiciário acerca do espírito de um
diploma legal de expressivo e louvável interesse social (ou seja, qual seria a
atribuição precípua da “Lei Maria da
Penha”).
Pelo entendimento
de alguns tribunais esta lei deve proteger a família, e por essa ótica, teríamos
uma ampla proteção para a mulher casada ou que convive em regime de união
estável. E o mais intrigante é que em decisões recentes, vários magistrados
rejeitaram a proteção a algumas mulheres por entenderem que uma relação ocasional
ou de curta duração não goza da guarida de referida Lei.
Exemplo emblemático
disso foi a decisão acerca da jovem Eliza Samudio, que denunciou o goleiro
Bruno de praticar, reiteradamente, a violência doméstica. E a surpresa: a
denúncia foi rejeitada por não se tratar, o relacionamento deles, de uma “relação
estável” e, hoje, a jovem nem mais viva está para se defender!
Será que se a
proteção tivesse sido dada na época propícia o cenário (ou melhor, o resultado)
deste caso não poderia ter sido outro?
O artigo 2º de
referida norma legal é claro: “Toda
mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda,
cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades
para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.
A interpretação do
dispositivo acima leva-nos a entender que o sentido desta Lei não é a proteção
à mulher que vive em regime matrimonial ou de união estável, mas sim de
proteção a toda e qualquer mulher que sofra abuso e seja vítima de violência (independentemente
do grau de afinidade ou relação com o agressor).
Debater ou
questionar o espírito da norma retira o foco central da proteção almejada pela “Lei Maria da Penha”: a MULHER!
Querer perpetuar
preconceitos passados (e ultrapassados) é, no mínimo, intolerável!
Categorizar e
subdividir as mulheres em grupos e, assim, determinar quem pode ou não ser
vítima de violência doméstica é um retrocesso incompatível com o espírito de
todos os Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário (e
que, certamente, inspiraram a criação da Lei nº 11.340/06).
Que a “Lei Maria da Penha” se
sobreponha a tudo isso e mostre a força de amparo legal à mulher, pois somente
assim teremos uma proteção justa e equilibrada contra agressores que se valem
de interpretações equivocadas para se manterem em liberdade.
08
de março. O objetivo desta data não é apenas homenagear a memória daquelas
mulheres mortas em 1857. Não é apenas comemorar as conquistas obtidas ao longo
do tempo. É, também, debater o papel da mulher na sociedade atual. É, ainda, combater
o preconceito e a desvalorização que ainda existem. É, principalmente, lutar
por novas vitórias!
Foram
muitas as conquistas, mas muito ainda precisa ser conquistado!
*Anfrízio Meneses é advogado e ex-gerente do BAnco do Brasil, em Açailândia.
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