quinta-feira, 14 de março de 2013

AINDA SOBRE O DIA INTERNACIONAL DA MULHER

* Por Anfrízio Menezes

(Maria da Penha - questionamentos, preconceitos e intolerância)
 
O preconceito é um marco presente na vida da humanidade. E por força desse preconceito a mulher sofreu grandes perdas, estando, ao longo da história, subjugada às vontades do homem, a trabalhar como serviçal ou a ganhar um salário injusto.
A discriminação era tamanha, que se chegou ao ponto de operárias de uma fábrica têxtil (Nova Iorque, 1857) serem queimadas vivas, após uma manifestação em que reivindicavam melhores condições de trabalho.
 
Em razão desses e tantos outros modos de discriminação, em 08 de março de 1910, realizou-se, na Dinamarca, uma conferência internacional feminina (na qual se discutiram assuntos de interesse da classe), decidindo-se que aquela data passaria a ser consagrada àquelas mulheres mortas carbonizadas.

No Brasil, com a reforma da Constituição Federal (em 1932), nossas mulheres ganharam isonomia trabalhista com os homens, além de conquistarem o direito ao voto e a cargos políticos.

No decorrer do tempo o Brasil vem cumprindo diversos acordos internacionais, com decisões que buscam a redução da exploração sexual, o fim da violência doméstica e o desenvolvimento de programas para melhorar a qualidade de vida das mulheres (criando-se, inclusive, no âmbito federal, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres).
Mais uma conquista brasileira: em agosto de 2006 é editada a Lei 11.340/06 de combate à violência doméstica (popularmente apelida de “Lei Maria da Penha”).
A criação dessa lei trouxe a possibilidade concreta de combater as agruras e o sofrimento causado às nossas mulheres (decorrentes da violência doméstica reiterada e contumaz, que, até então, era pouco coibida).
Há avanços para se comemorar. Mas há, também, muita preocupação com a consolidação dos direitos já alcançados. E um exemplo de ameaça real às conquistas dos últimos tempos são os questionamentos da constitucionalidade dessa inovadora Lei, reproduzidos em várias comarcas e tribunais do País.
 
Para se ter idéia, a norma que garante punição para a violência cometida dentro de casa, motivada pela questão de gênero, chegou a ser classificada como “diabólica” por um determinado juiz (prova crua de puro preconceito!).

É, infelizmente ainda paira muita controvérsia em nosso judiciário acerca do espírito de um diploma legal de expressivo e louvável interesse social (ou seja, qual seria a atribuição precípua da “Lei Maria da Penha”).
Pelo entendimento de alguns tribunais esta lei deve proteger a família, e por essa ótica, teríamos uma ampla proteção para a mulher casada ou que convive em regime de união estável. E o mais intrigante é que em decisões recentes, vários magistrados rejeitaram a proteção a algumas mulheres por entenderem que uma relação ocasional ou de curta duração não goza da guarida de referida Lei.
Exemplo emblemático disso foi a decisão acerca da jovem Eliza Samudio, que denunciou o goleiro Bruno de praticar, reiteradamente, a violência doméstica. E a surpresa: a denúncia foi rejeitada por não se tratar, o relacionamento deles, de uma “relação estável” e, hoje, a jovem nem mais viva está para se defender!

Será que se a proteção tivesse sido dada na época propícia o cenário (ou melhor, o resultado) deste caso não poderia ter sido outro?

O artigo 2º de referida norma legal é claro: “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

A interpretação do dispositivo acima leva-nos a entender que o sentido desta Lei não é a proteção à mulher que vive em regime matrimonial ou de união estável, mas sim de proteção a toda e qualquer mulher que sofra abuso e seja vítima de violência (independentemente do grau de afinidade ou relação com o agressor).

Debater ou questionar o espírito da norma retira o foco central da proteção almejada pela “Lei Maria da Penha”: a MULHER!

Querer perpetuar preconceitos passados (e ultrapassados) é, no mínimo, intolerável!

Categorizar e subdividir as mulheres em grupos e, assim, determinar quem pode ou não ser vítima de violência doméstica é um retrocesso incompatível com o espírito de todos os Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário (e que, certamente, inspiraram a criação da Lei nº 11.340/06).

Que a “Lei Maria da Penha” se sobreponha a tudo isso e mostre a força de amparo legal à mulher, pois somente assim teremos uma proteção justa e equilibrada contra agressores que se valem de interpretações equivocadas para se manterem em liberdade.
08 de março. O objetivo desta data não é apenas homenagear a memória daquelas mulheres mortas em 1857. Não é apenas comemorar as conquistas obtidas ao longo do tempo. É, também, debater o papel da mulher na sociedade atual. É, ainda, combater o preconceito e a desvalorização que ainda existem. É, principalmente, lutar por novas vitórias!
Foram muitas as conquistas, mas muito ainda precisa ser conquistado!

*Anfrízio Meneses é advogado e ex-gerente do BAnco do Brasil, em Açailândia.

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