quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Há um elemento que as pesquisas de intenção de voto não captam: a abstenção


O desencanto popular com a política e as dúvidas sobre o futuro são efeito das inúmeras crises vividas pelo Brasil nos últimos anos. A incerteza conjuntural sobre o processo eleitoral e um elemento estrutural, a reforma que alterou significativamente as regras do jogo, também são explicações.

Em particular, o encurtamento do tempo de campanha e uma maior flexibilidade para mudanças partidárias às vésperas do período eleitoral, aumentaram sobremaneira a imprevisibilidade.

Como identificar esse desencanto e incerteza nas pesquisas eleitorais? Uma forma é analisar a declaração de votos brancos e nulos e os que se dizem indecisos. Neste ano, ambos estavam altos até o início da propaganda eleitoral no rádio e na televisão e acima do registrado em eleições anteriores, mas vêm despencando.

Há um elemento nessa equação que as pesquisas não captam: a abstenção. Raramente perguntamos se as pessoas pretendem ir às urnas. Adicionalmente, essa é uma questão que sofre viés de aceitabilidade social. As pessoas tendem a declarar que votarão quando de fato não pretendem fazê-lo, por entenderem que é moralmente repreensível deixar de participar da eleição. Nos Estados Unidos, e outros locais onde o voto é facultativo, esse tipo de pergunta é comum em pesquisas eleitorais.

Os índices de abstenção têm sido altos no Brasil e aumentaram na eleição de 2014. O ápice ocorreu em 1994, quando 29,3% não compareceram e 4% votaram branco e nulo, totalizando 33,3% de votos não computados.

 Em 2014, esses valores eram 19,4% de abstenção e 9,6% de votos brancos e nulos, somando 29%, superiores aos de 2010, que atingiram 26,7%, e de todas as eleições anteriores até 1998.

Qual o impacto da abstenção nas eleições presidenciais? Até hoje, não há evidências de prejuízo a um partido ou outro. Entretanto, onde o voto é facultativo, a preocupação das campanhas eleitorais com o comparecimento é significativa.

As únicas eleições vencidas no primeiro turno, ambas por Fernando Henrique Cardoso, tiveram os índices mais elevados de votos não considerados válidos: 33,3% em 1994 e 40,2% em 1998.

É possível que, em 2018, a questão da abstenção passe a ser mais importante para o resultado eleitoral brasileiro. Com base nos dados de 2014 podemos perceber alguns padrões. A diferenciação de preferência político-partidária cada vez mais profunda com base em região e renda associa-se aos padrões de abstenção, algo que não transparece nas pesquisas eleitorais e pode levar a surpresas.

A correlação entre voto no PT e votos brancos e nulos e a abstenção nas unidades da Federação é bastante alta. Ou seja, o PT tem melhor desempenho em estados onde a abstenção e votos branco e nulo são mais altos. Isso está relacionado com a renda familiar mensal média nos estados. Quanto maior a renda, menor o número de votos brancos e nulos e de abstenção. Além disso, quando maior a renda média, menor o voto no PT e maior o voto no PSDB.
Portanto, os padrões de abstenção eleitoral no Brasil mostram uma desvantagem para o PT. O partido tem melhor desempenho em estados com renda mais baixa onde os votos válidos são em menor número. Em uma eleição na qual o PT parte em desvantagem considerando um voto mais conservador, a abstenção pode ter efeito. O voto dos mais ricos está hoje com Jair Bolsonaro e uma plêiade de candidatos de centro-direita.

Em um cenário de 70% de votos válidos, o que tem sido próximo da realidade brasileira nas últimas eleições, 35% dos votos totais podem ser suficientes para se ganhar a eleição em primeiro turno.

FHC ganhou no primeiro turno com votações que equivaliam a 37% dos votos totais em 1994 e 34% em 1998 e uma porcentagem de abstenção, nulos e brancos de 33% e 40%, respectivamente.

Ademais, em um segundo turno muito competitivo, a abstenção pode definir o resultado. Assim, é importante atentar para esse fator, até agora, esquecido do debate eleitoral brasileiro.


Lucio Rennó é presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e professor associado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

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