sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Curas 'milagrosas', vacinas, máscaras, dados sobre a pandemia, isolamento social: Fato ou Fake chega a 300 checagens sobre o Coronavírus

 Desde o início da pandemia, áudios, vídeos e textos falsos têm circulado na web. Equipe fez a verificação de quase duas mensagens por dia em 6 meses. Médicos apontam o quão nocivos são os boatos em meio à crise de saúde pública.

 

Em seis meses, 300 checagens. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, a equipe do Fato ou Fake tem verificado textos, áudios e vídeos que têm se propagado na internet e no celular. E as mensagens falsas não têm cessado.

 

Há boatos que falam de curas "milagrosas", que questionam a eficácia das máscaras, que propagam mentiras sobre as vacinas em desenvolvimento, que distorcem dados sobre a doença e que tentam colocar em xeque o isolamento social.

 

A equipe do Fato ou Fake ouviu 10 médicos para saber o que eles consideram mais nocivo nesse ambiente de desinformação. E lista abaixo as mensagens mais difundidas nestes últimos meses nas redes sociais divididas em cinco temas.

 

Todas as 300 checagens podem ser conferidas no site: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/

 

Curas ‘milagrosas’

Água quente, vitamina C e limão, água com alho recém-fervida, soroterapia, banho muito gelado, auto-hemoterapia, ozonioterapia, enxaguante bucal, chá de erva-doce e fígado de boi, água tônica, chá com mistura de jambu, limão, alho e paracetamol, açafrão, chá de boldo, de casca de quina quina ou de artemísia, limão, laranja e mel, enxofre, sal e zinco, melão-de-são-caetano, café, vinho, vodca ou uísque, pimenta com mel e gengibre. A lista é quase interminável. A cada dia, uma solução mágica aparece na web como a cura para a doença. Mas até agora a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Ministério da Saúde deixam claro: nada disso funciona.

 

As três checagens mais acessadas são:

 

·                     É #FAKE que fazer gargarejo com água morna, sal e vinagre elimina o coronavírus

·                     É #FAKE que a ingestão de alimentos alcalinos combate o novo coronavírus

·                     É #FAKE que limão e bicarbonato evitam morte por coronavírus

 

"É compreensível que em um momento dificílimo como o que estamos vivendo as pessoas queiram achar soluções para o problema em crenças populares. Entretanto, também há muita gente de má índole se aproveitando", afirma Leonardo Weissmann, infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

 

"Muitas dessas informações falsas podem não ajudar nem prejudicar, apenas causar alarde. Porém, há mensagens envolvendo medicamentos, chás, ervas, que podem trazer mais danos do que a própria doença. É preciso acreditar na ciência! Existem muitos pesquisadores sérios em busca de respostas para o novo coronavírus e a Covid-19", diz Weissmann.

 

Para o farmacêutico Leandro Medeiros, coordenador do curso de Farmácia da Unicap, "o milagre não faz parte do universo dos medicamentos, até mesmo quando falamos de produtos naturais (chás, fitoterápicos e suplementos)".

 

"É preciso compreender, antes de mais nada, como funcionam os medicamentos e como eles são pesquisados desde sua concepção. Sem entender isso, qualquer discussão passa a ser líquida, fraca, vaga e não serve para qualquer tipo de recomendação de uso. Não há medicamento, suplemento, fitoterápico 100% eficaz ou 100% seguro. A ciência já nos mostra isso. É, portanto, razoável imaginar que qualquer tratamento pode falhar e pode também gerar efeitos colaterais", afirma Medeiros.

 

"A orientação de um profissional de saúde com formação e vivência na área de medicamentos, seja ele farmacêutico ou médico, é indispensável para a utilização racional destes produtos, visando o máximo de benefícios, segurança e conveniência do seu uso, com o mínimo de custo possível."

 

Máscaras

O uso de máscaras, hoje preconizado por todas as autoridades de saúde, ainda é alvo de críticas nos aplicativos de mensagem. Há mensagens dizendo que as de tecido são ineficazes, que elas podem causar infecção na garganta, que provocam hiperventilação e intoxicação por micropartículas do material e até que baixam a imunidade e potencializam a proliferação de bactérias. Tudo mentira, claro. Estudos recentes, aliás, mostram sua eficácia no combate à doença. As três checagens mais acessadas são:

 

·                     É #FAKE que máscaras importadas da China são distribuídas contaminadas com o novo coronavírus

·                     É #FAKE que uso prolongado de máscara contra o coronavírus leva a quadro de intoxicação e baixa oxigenação do organismo

·                     É #FAKE que uso de máscara de proteção faça mal à saúde tornando o sangue mais ácido

 

"As máscaras são utilizadas há décadas pelos profissionais de saúde, seja nas cirurgias, seja em assistência direta a pacientes com doenças transmissíveis por via aérea, como a tuberculose e também vírus respiratórios, por exemplo. Ainda assim são alvos de fake news. Na cultura oriental, o uso de máscaras já era uma realidade anterior à pandemia, fosse por sintomas respiratórios do usuário ou como proteção à poluição em grandes cidades. Não há relatos de 'doenças' ou 'malefícios' causados pelo seu uso", afirma Patricia Canto Ribeiro, pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública.

 

"São dispositivos seguros para o uso geral da população e, mais que isso, um sinal de respeito e cuidado com os outros. Enquanto seres que vivem em sociedade, dependemos de cooperação mútua. Isso nunca foi tão verdade como agora, quando precisamos pensar na parcela mais vulnerável da população como os idosos e as pessoas com doenças pré-existentes", diz Patricia.

 

"Mensagens falsas sobre o uso de máscaras que tentam convencer pessoas a não usá-las representa uma grave ameaça à saúde pública, pois já foi esclarecido pela ciência que o seu correto uso por todas as pessoas representa de fato um menor risco de disseminação da Covid-19", afirma o pneumologista Rodolfo Fred Behrsin, professor do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle.

 

"Usam argumentos desprovidos de qualquer lógica como o risco de sufocamento, a redução da oxigenação e a retenção de dióxido de carbono no organismos, todos argumentos falsos e desprovidos de qualquer base científica colocando em risco a vida das pessoas", diz.

 

Vacinas

Antes mesmo do início de testes com vacinas pelo mundo, a web foi tomada por boatos sobre as imunizações. Alguns diziam que países já tinham desenvolvido uma cura, por exemplo. E agora há mensagens colocando em dúvida a eficácia e se são realmente seguras.

 

As três checagens mais acessadas são:

 

·                     É #FAKE que Israel já tem uma vacina contra o novo coronavírus

·                     É #FAKE que imagem mostre vacina contra o coronavírus feita por cientistas dos EUA

·                     É #FAKE que vacina canina mostrada em vídeo se destine ao novo coronavírus humano

·                      

"Todos os tipos de fake news são abomináveis. Mas as fake news em saúde, especialmente as que negam tratamentos/terapias aprovadas ou as que sugerem novos métodos sem comprovação científica, têm uma característica peculiar: elas podem matar a curto prazo. No momento em que uma mensagem falsa sugere um tratamento, existem pessoas que por confiar no remetente podem buscar essa alternativa", afirma o virologista Rômulo Neris, doutorando pela UFRJ.

 

"Um exemplo recente foi o presidente Donald Trump dizendo que desinfetante podia ser usado pra combater o novo coronavírus e algumas pessoas foram internadas por intoxicação após ingerir produtos de limpeza. Infelizmente, a extensão do dano provocado por essas fake news é impossível de ser rastreado, e iniciativas como a checagem de fatos é fundamental porque ajuda a salvar vidas."


Mauro Schechter, professor de infectologia da UFRJ, diz que "as fake news atrapalham o controle da pandemia". "No mínimo, pelo desperdício de recursos públicos com a cloroquina, e com a desnecessária exposição de milhões de pessoas ao vírus, por acreditarem que estão protegidas com drogas que não têm efeito algum. E, ao serem tratadas com a cloroquina, elas podem sofrer efeito colateral grave, potencialmente fatal."

 

"Quanto às fake news sobre vacinas, além do risco de a pessoa não querer se vacinar e não se beneficiar de um possível proteção, ela acaba não contribuindo para a chamada imunidade de rebanho", afirma Schechter.

 

Dados

 

A negação da pandemia tem ocorrido desde o seu início por mensagens com dados mentirosos ou enganosos. Há desde comparações distorcidas até números realmente inventados. Boatos sobre a não existência de mortes ou tentando minimizar a doença têm sido recorrentes.

 

As três checagens mais acessadas são:

 

·                     É #FAKE que início do surto de H1N1 no Brasil, em 2009, matou mais que o do novo coronavírus

·                     É #FAKE mensagem que diz que Pequim e Xangai não tiveram casos de coronavírus

·                     É #FAKE tabela que mostra Brasil com a maior taxa de recuperados da Covid-19 no mundo

 

 

“O que caracteriza uma pandemia é o fato de um problema de saúde afetar a todos, de o número de casos ser grande. É importante, em momentos como este, que a gente consiga comunicar à população de forma clara e precisa os números de casos, óbitos, testes. Menosprezamos essa ferramenta", afirma a médica sanitarista Ligia Bahia, especialista em saúde pública e professora da UFRJ.

 

"São os dados que nos permitem avaliar quais as medidas mais adequadas em cada momento, em cada local por onde o vírus se espalha. A confiança nas autoridades e nos números tinha que ser total, mas não é o que acontece no Brasil. Existe uma guerra de desinformação, e essa desconfiança certamente atrapalha as medidas de controle, e, no fim das contas, acarreta num maior número de mortes", diz Ligia.

"Estamos num ponto em que não temos qualquer previsão da possibilidade da queda da transmissão da Covid-19, e isso é muito angustiante. Isso não aconteceu em outros países”, afirma.

 

"Os dados sobre a pandemia são a ferramenta mais sensível para medirmos o que está ocorrendo e para formularmos as políticas públicas de enfrentamento da epidemia. Manipulação destes dados ou mensagens falsas sobre eles são prejudiciais para que possamos ter políticas realmente eficazes para reduzir a disseminação e o impacto da doença na população", afirma Alberto Chebabo, da Sociedade Brasileira de Infectologia.

 

Isolamento social

O isolamento social, preconizado como uma das únicas alternativas para barrar a circulação do vírus e evitar um colapso no sistema de saúde, é alvo de questionamentos desde o surgimento da doença. Personalidades têm se tornado vítimas de boatos nas redes. E a medida tem sido atacada de todas as formas. Mas a maioria dos especialistas não tem nenhuma dúvida da importância do modelo adotado em todo o mundo.

 

As três checagens mais acessadas são:

·                     É #FAKE que apresentadora Maria Júlia Coutinho tenha ido à praia mesmo com recomendação de autoridades devido ao coronavírus

·                     É #FAKE que governo russo soltou leões nas ruas para amedrontar a população e fazê-la ficar em casa por conta do coronavírus

·                     É #FAKE que foto mostre Tiago Leifert e equipe do BBB festejando em restaurante em meio à pandemia do coronavírus

"É uma preocupação muito grande ouvir que isolamento social não funciona, sendo que é uma das medidas mais essenciais e que embasa quase todos os planos de prevenção das grandes sociedades, das academias americanas, brasileiras. Talvez uma das medidas mais importante dos pilares todos da epidemia que é triagem, higiene pessoal e uso de máscaras e distanciamento social. Talvez o maior princípio", afirma o infectologista João Prats, médico da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

"As coisas vão ser retomadas agora, vão ser com esse princípio em mente, o uso de conceitos como rotação de grupos de interesse, uso de ensino à distância, ensino híbrido, o trabalho híbrido, tudo isso. É muito perigoso a gente falar contra o distanciamento. Boatos de que isso não funciona ou de que isso é fake ou que isso está errado e que a gente não deve manter o isolamento podem levar a um recrudescimento da epidemia e a um aumento do número de casos", diz Pratz.

 

“Talvez as fake news sejam uma das principais epidemias atuais. Não à toa a Organização Mundial de Saúde a chama de infodemia, ou epidemia da desinformação. É uma doença digitalmente transmissível, que talvez cause mais danos que a própria Covid-19", afirma Renato Kfouri, infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

 

"A desinformação traz riscos à saúde das pessoas que não se protegem, que não fazem o distanciamento social como deveriam, que não se tratam porque vão atrás de curas milagrosas ou não se vacinam. Precisamos entender melhor esse fenômeno, criar a cultura da checagem na população, para frear esse entusiasmo de compartilhar algo no primeiro momento, de ser o primeiro a postar algo", diz Kfouri.

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