O debate político desta semana expõe não apenas os dilemas jurídicos em torno da chamada dosimetria dos golpistas, mas também o esgotamento de um campo político que se confunde cada vez mais com o próprio bolsonarismo. Nossos colunistas mostram como as disputas em Brasília e as contradições da extrema direita se entrelaçam num cenário em que democracia, cultura e futuro político do país estão em jogo. O impasse da dosimetria Daniela Lima revela como dois senadores de peso, Otto Alencar e Renan Calheiros, já ensaiam um bloqueio à proposta que pode reduzir penas de quem atentou contra o Estado de Direito. Ambos ironizam a condução da matéria na Câmara e sinalizam que, assim como ocorreu com a "PEC da Blindagem", o Senado pode barrar a manobra. Renan, em especial, classifica o projeto como inconstitucional e vê na intervenção parlamentar uma "intromissão indevida" no Judiciário. A resistência da dupla tende a deixar ainda mais nebuloso o futuro da pauta. O germe da autodestruição Josias de Souza, por sua vez, retrata Bolsonaro como um personagem em modo desespero, repetindo erros que o levaram à derrota em 2022. Se a cloroquina simbolizou o negacionismo sanitário, a anistia virou sua nova obsessão — igualmente fadada ao fracasso. Na análise, o ex-presidente cava sua própria ruína, brigando com aliados e familiares, enquanto Lula joga no campo da democracia, liberado para atacar sem precisar se explicar. Para Josias, a autoinfecção do "mito" pode ser o desfecho de um ciclo de horrores. A direita fagocitada Reinaldo Azevedo amplia o quadro: a direita tradicional já não existe; foi engolida pela lógica unicelular do bolsonarismo. O governador Tarcísio de Freitas oscila entre a ambição presidencial e o recuo melancólico, enquanto seu aliado Ciro Nogueira tenta insuflar uma "Direita" que, na prática, nunca se consolidou. O impasse é claro: qualquer herdeiro que avance sobre o espólio eleitoral de Bolsonaro ameaça tornar obsoleto o próprio bolsonarismo. A direita virou alimento de ameba, sem projeto próprio além de reagir ao PT. A batalha da cultura Milly Lacombe lembra que projetos autoritários não se escondem: pelo contrário, anunciam-se. Da retórica nazista de Roberto Alvim às cruzadas de Trump contra programas de TV críticos, há um fio condutor claro: a cultura como trincheira do fascismo. Ela defende que a esquerda compreenda a urgência de colocar arte e cultura no centro da disputa, como ferramenta de formação social e de resistência. Os orçamentos míseros da área, comparados à defesa ou à segurança, mostram que o Brasil ainda projeta uma sociedade frágil diante desse embate. O sapo na fervura Tony Marlon costura a leitura estrutural: a erosão da democracia hoje não se dá por tanques na rua, mas pelo sucateamento lento das instituições e da esperança política. Nesse vácuo, o autoritarismo se apresenta como promessa de ordem e eficiência. Para ele, manifestações recentes contra a "PEC da Bandidagem" são um lembrete de que democracia não é só urna, mas também mobilização contínua — um músculo que precisa ser exercitado sob risco de atrofiar. Um fio em comum Das disputas legislativas relatadas por Daniela à análise estrutural de Tony, passando pelo diagnóstico clínico de Josias e pela lente histórica de Milly, emerge uma linha comum: a democracia não se perde num gesto único, mas em pequenas concessões que normalizam o autoritarismo. Enquanto Bolsonaro insiste em pedir perdão aos seus, e Tarcísio hesita em assumir a herança do "mito", o país assiste a um embate em que a cultura, as ruas e até mesmo a dosimetria penal se tornam fronteiras decisivas. |
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