quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Jornalistas x assessores: guerra infinita? (parte 1)



Se você é fã de história em quadrinhos, tem grandes chances de ter entendido o título. Caso não, é uma referência ao filme Vingadores: Guerra Infinita. No filme, diversas personagens de franquias Marvel distintas se unem para derrotar o vilão Thanos. A dinâmica de assessorias de imprensa e jornalistas muitas vezes é vista como tal, em ambos casos.

Quem trabalha na área de comunicação provavelmente já ouviu falar da "complicada" relação. É quase como um monólogo de Shakespare, quando um não existe sem o outro e o famigerado follow up rende um ensaio de filosofia. "Atender ou não atender, eis a questão".

Apesar das redações enxutas, a imprensa tradicional (jornais, sites, rádios e TVs) ainda possui sua importância para o mercado e é claro, para o cliente. Quando estava na faculdade (fiz jornalismo, na PUC-SP), muitos professores meus falavam que assessoria de imprensa não era jornalismo, era marketing/relações públicas/coisas demoníacas. Tudo, menos jornalismo. Lembro bem que muitos colegas de classe meus foram influenciados por isso e diziam que "nunca fariam assessoria", queriam redação ou "preferiam passar fome".

Iniciei a carreira em redações e depois de um tempo, numa transição de carreira, resolvi mudar de área. Comecei atendendo startups e passei para multinacionais de tecnologia. Preciso dizer que todos os dias eu faço um pouco de jornalismo, seja na apuração de uma sugestão de pauta (entrevistar o porta-voz e transformar em um release) ou até mesmo encontrar personagens (já fui produtora e a assessora ao mesmo tempo). A verdade é que o problema — e também resolução — para ambos lados está em uma palavra: empatia.

Nas últimas semanas, fiz uma pesquisa informal* com mais de 200 profissionais sobre as principais adversidades em vender ou receber uma sugestão de pauta. Em ambos os casos, conhecer a rotina, desafios e escopo de trabalho do outro foram os itens cruciais citados para tornar a relação mais amigável.

Como ela ficou extensa e traz dados legais, resolvi dividir em duas partes. Este primeiro texto será voltado para a pesquisa com jornalistas, com dicas para assessores entenderem a melhor forma de se comunicarem com as redações ou influenciadores digitais. Leia abaixo:

1) Um tiro preciso mais vale que um tiro de canhão

O jornalista brasileiro já exerce há anos, mais de uma função ou tem várias matérias para entregar em um período específico. Só no último ano, foram diversas publicações que deixaram de circular ou perderam sua sua versão impressa. A Abril, uma das principais editoras do país, vive sua pior crise com pedido de recuperação judicial e funcionários que ainda não receberam suas rescisões. Então, colega assessor, acredite: quem ficou nestes veículos tradicionais tem a grande chance de ter um dia com mais que 8 horas de trabalho (ou 8 horas que valem por 16).

Por que estou falando isso? Porque bombardear um jornalista com inúmeros materiais ou e-mail na mesma semana não é a melhor estratégia. Cerca de 96% dos jornalistas que responderam a pesquisa afirmam que mantém contato com as assessorias de imprensa. Destes, 40% disse que o contato/interação é diário. Contudo quando questionados qual seria a melhor frequência, 56% respondeu: semanalmente. Veja um relato de exemplo:

"Tem assessoria que chega a mandar mais de oito [e-mails por dia], com assuntos diferentes e depois perguntar se a gente leu. Não dá tempo, infelizmente!"

Mas afinal, como fazer isso quando tenho metas ou preciso emplacar meu cliente? A minha principal dica é: veja os principais veículos de interesse que a companhia quer estar. Veja quem escreve as matérias, leia o expediente da revista. Veja os assuntos que os repórteres estão falando e desses assuntos recentes, como seu cliente pode contribuir. Mais vale um tiro preciso, que virar só mais uma mensagem na caixa de entrada de e-mails. E isso nos leva a segunda dica.

2) Conteúdos bons precisam de um bom sex appeal

Imagine sua caixa de e-mail pessoal. Agora imagine, hipoteticamente, que ela vive cheia de propagandas ou spam (o que não é preciso imaginar, em muitos casos). Para ser impactado, a promoção ou produto precisa ser interessante, certo? Pois bem, a caixa de entrada do jornalista ou o telefone da mesa dele é igual.

Por exemplo, quando questionados como os jornalistas preferem receber uma sugestão exclusiva (a famosa "exclusiva"), 44% responderem que escrever "sugestão exclusiva" no assunto do e-mail já é um filtro. Em segundo lugar está procurar ele no WhatsApp ou telefone pessoal (quase 28%) e em terceiro, ligar e ter um bom discurso vendedor (24%).

Vale adicionar que sugestões boas precisam de bons argumentos também. Os jornalistas que responderam o questionário citam, entre outras iniciativas:

Usar imagens ilustrativas condizentes e infográficos que adicionem ou resumam a informação;

Fazer sugestões de pauta personalizadas, com base em matérias anteriores, ou ainda, citando o nome do veículo no e-mail;

Criar títulos criativos ou que passam a ideia principal do tema;

Ter dados, não só fontes ou personagens.

3) Menos é mais

Quando um jornalista vai ouvir um follow ou ler um e-mail, a clareza e objetividade em meio ao turbilhão de informações faz toda a diferença. Em alguns casos, o press release é menos eficaz do que escrever o assunto em tópicos no próprio corpo do e-mail, em uma mensagem simpática.

Uma das grandes reclamações dos jornalistas é o assessor ligar ou enviar um e-mail com um discurso totalmente automatizado ou marqueteiro. Copio abaixo exemplos do que jornalistas recomendam NÃO fazer:

"Não adianta forçar a pauta goela abaixo. É preciso criar uma conversa sobre o assunto/produto, me explica o porquê você acha legal, fale comigo ao invés de soltar um discurso já memorizado. Se eu quiser falar com um robô ou atendimento automático, ligo pra NET."

"A pessoa falou bem de um produto e ao final, não mencionou que produto é. É um produto milagroso?"

"Dourar a pílula".

"Um approach genérico para massas".

4) Não tive retorno, e agora?

O maior dilema do assessor é, provavelmente, o que fazer quando ele quer emplacar algo com algum veículo ou tem uma meta específica, e não recebe o retorno. Questionados sobre o quê o assessor deve entender quando não há retorno (via e-mail ou telefone), os jornalistas afirmam que:

Se não retornei, é porque não há interesse ou tempo para a pauta (34,5%);
É melhor procurar no WhatsApp (27%);

É melhor esperar uma resposta, mesmo que demore (quase 11%);


É melhor procurar o(a) jornalista nas redes sociais pessoais dele (9%);
É melhor chamar no WhatsApp, apenas se vocês forem contatos OU É melhor chamar nas redes sociais, apenas se forem contatos (empatados, com pouco mais de 7% cada);

É melhor deixar um recado com uma outra pessoa na redação (menos de 2%).

Como a maior parte acredita que não vale insistir quando não há retorno e ao mesmo, existe uma expectativa em uma divulgação (seja do cliente ou o assessor), minha dica é: tenha sempre planos alternativos. Vai trabalhar com uma exclusiva? Pense em mais de um veículo. O cliente quer no impresso? Mostre outros meios de comunicação que também podem ser interessantes para ele. Nenhum jornalista deu o assunto? E algum influenciador? Que tal um encontro de relacionamento ou um press kit? Por isso eu digo, sempre tenha uma carta na manga e acima de tudo, só ofereça ao cliente o que você sabe que é plausível.

5) Devo chamar no "Zap"?

Dado que o segundo item mais votado na pergunta anterior era chamar no WhatsApp, o assessor facilmente já passou por esta dúvida: "ligo no celular pessoal?". Ou mais recentemente e digamos, contemporâneo:"devo chamar no Zap?"

Existem algumas perguntas que devem ser feitas antes de você, assessor, questionar isso. Por exemplo, você o conhece pessoalmente? Ou sabe se algum outro assessor já fez o contato pelo celular/WhatsApp e ele não se incomodou? Que tal perguntar a colegas de profissão como é o perfil da pessoa?
Da mesma forma que alguns jornalistas podem não se incomodar e outros até preferir, há quem abomine contato destas formas. Por isso, o bom e velho tato faz toda diferença aqui. Vale comentar ainda que bom-senso é outra palavra de ordem. Não dá pra ligar no celular pessoal e nem chamar no WhatsApp fora do horário de trabalho né?
Se for chamar pelo WhatsApp, a regra da clareza também serve, ok? Imagine um jornalista recebendo release pelo WhatsApp. Além de não ser nada imersivo, é a mesma coisa que receber apólice do seguro do seu carro pelo app. Você jamais vai conseguir ler com calma e atenção todas aquelas cláusulas, certo? Outro relato interessante cabe aqui:

"[Acho inadmissível] chamar no WhatsApp assim: 'Oi, tudo bem?' e não falar mais nada, não dizer qual o assunto e, muitas vezes, nem se identificar. Acho que sempre é melhor já dizer quem é e adiantar o assunto".

6) Apurar o mailing SEMPRE

Pra quem trabalha no mercado há algum tempo ou atende um cliente de um mesmo segmento por um longo período, provavelmente trabalha com um mesmo mailing personalizado, que sofre edições constantes. Mas infelizmente nem todo mundo está nessa situação. Há quem trabalhe mais de um mailing simultâneo ou não tenha esse hábito.

Por conta disso, não é comum ter uma rede de contatos desatualizada. Jornalista troca sim de editoria e, por que não, veículo, com regularidade. A crise do jornalismo explica. Por isso, se você quer resultados assertivos, não adianta baixar um Excel de uma ferramenta de mailing e rezar um Pai Nosso pra alguém dar a notícia, né?

Reserve um tempo do meu mês para fazer a atualização de mailing. Vai fazer a diferença, eu te garanto. Como? Não precisa nem ligar na redação e pedir. Veja quem está assinando as matérias frequentemente da editoria que você quer trabalhar no veículo. Em alguns casos, o e-mail do jornalista fica até mesmo disponível para sugestão de pautas. O comentário abaixo, também da pesquisa, ainda dá outras ideias:

"Verifiquem o histórico do jornalista - o LinkedIn é ótimo - e tirem dos mailings que não se relacionam com o jornalista. Quanto mais e-mails recebemos, menos temos para nos dedicarmos às histórias que realmente são boas. Mailing virou spam. As assessorias precisam cobrar mais eficiência do mailing."

Bonus Track

Deixei esse espaço para alguns dos casos mais absurdos ou engraçados, segundo os próprios jornalistas. Se você está fazendo algo parecido, fica aqui o alerta: volte duas casas.

"A pessoa ligou diversas vezes fingindo ser uma assessora diferente/de outra assessoria, sendo que eu já tinha recusado a pauta e reconheci a voz de imediato. Foi bem inconveniente. Ela fez isso repetidas vezes."
"Sou influenciador mas trabalho em uma empresa que não tem nada a ver com o blog. O assessor conseguiu o telefone da empresa e começou a me ligar no horário de trabalho para vender pauta pro Instagram."

"A própria assessora foi entregar o presente, pois queria aproveitar pra vender pauta."
"Enviaram sugestão de pauta para o e-mail dos meus familiares".

* Esta parte da pesquisa foi realizada com 55 jornalistas de diferentes editorias de veículos brasileiros, do dia 25 de setembro a 8 de outubro de 2018, via Formulários do Google.

Consultora de Comunicação.

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