Bolsonaro obteve o que queria de Trump – e também entregou muito em troca.
É positivo o resultado da visita do presidente Jair
Bolsonaro aos Estados Unidos. Ele obteve sucesso não só nas relações
bilaterais, mas também ao dar enfim um rosto à própria política externa.
As principais conquistas com que Bolsonaro volta de
lá são:
1.
Acordo para aluguel aos americanos da base de lançamentos de foguete de
Alcântara, com receitas previstas da ordem de US$ 10 bilhões anuais;
2.
Designação do Brasil pelos Estados Unidos do Brasil como “aliado
especial fora da Otan”. Isso garante ao país acesso a tecnologia e cooperação
militar com os americanos. Trump falou até que o Brasil poderia ser “aliado na
Otan”. É exagero, mas significativo;
3.
Apoio declarado à pretensão brasileira de entrar na Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma espécie de clube dos
países ricos que costuma representar acesso mais fácil a capitais,
investimentos e tecnologias;
4.
Reativação de fóruns bilaterais de comércio, energia e meio ambiente,
com o objetivo, no longo prazo, de estabelecer um acordo de livre-comércio
entre os dois países. Por enquanto, apenas uma promessa.
As concessões que
Bolsonaro fez em troca foram:
1.
Fim da exigência de vistos à entrada de turistas americanos no Brasil,
sem reciprocidade (assim como à de canadenses, japoneses e australianos). Como
não há uma onda de migração ilegal desses países, a medida representa na
prática um incentivo ao turismo;
2.
Em troca do apoio à entrada na ODCE, o Brasil passará a abrir mão do
status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), que
garante prazos mais generosos nas disputas comerciais e condições especiais
para acordos de livre-comércio. A medida prejudica sobretudo o setor agrícola.
China e Índia costumam se beneficiar de tal status. O Brasil abriu mão dele em
negociações recentes. Países como Turquia e Coreia do Sul não precisaram
abandoná-lo para aceder à OCDE;
3.
Criação de uma cota para a importação de trigo americano sem tarifas
(750 mil toneladas) e estabelecimento de bases para a importação de carne suína
americana. No caso do trigo, a concessão representa um golpe na Argentina e no
Mercosul;
4.
Concessões aos planos americanos para a Venezuela que Bolsonaro preferiu
não detalhar. De acordo com diplomatas, o Brasil teria aceitado o uso do
território brasileiro para dar apoio à logística americana, caso seja
necessária uma intervenção de maior envergadura para derrubar o ditador Nicolás
Maduro. Bolsonaro não descartou o envolvimento de tropas brasileiras.
Nem política nem
diplomacia são jogos de soma zero, portanto ainda é cedo para avaliar as
consequências de cada uma dessas concessões. Parece óbvio que o envolvimento
numa eventual guerra na Venezuela seria muito ruim para o Brasil. Também parece
óbvio que o aluguel de Alcântara aos americanos é muito bom. Fora isso, o
cenário é incerto.
O tabuleiro
comercial é difuso. A ODCE tem mais valor simbólico que prático. É mais um
troféu do que uma consequência de desenvolvimento real. Faz dois anos que os
Estados Unidos apoiaram a entrada da Argentina, mas até agora nada aconteceu.
As disputas na OMC, em contrapartida, são absolutamente práticas. Uma posição
de maior fraqueza representa perda concreta.
Quanto à Venezuela,
Brasil e Estados Unidos estão alinhados no objetivo final: derrubar Maduro. O
interesse brasileiro é que isso ocorra com o menor envolvimento externo
possível. De preferência, por iniciativa dos próprios venezuelanos. A
reverência cega que Bolsonaro e seu filho Eduardo (ontem no papel de nosso
verdadeiro chanceler) prestam a Trump não pode obscurecer tal fato.
“Diplomacia em
primeiro lugar, até as últimas consequências”, disse depois Bolsonaro, para
esclarecer sua declaração evasiva ao lado de Trump. A verdade é que nem aos
americanos interessa enviar soldados para derrubar um ditador patético. Trump
disse que ainda dispõe de sanções mais duras a aplicar antes de considerar as
opções militares.
O resultado mais
relevante da visita é o estabelecimento de um canal de comunicação pessoal
entre os dois, facilitado pela sintonia ideológica. É positivo que tal canal
resulte em conquistas para o país. Será ruim se tais conquistas dependessem
exclusivamente dele. Tanto lá quanto cá, os presidentes serão outros algum dia.
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