segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Lula volta à Presidência e encontra país e Congresso divididos

 



Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será presidente do Brasil pela terceira vez. O petista foi eleito neste domingo, em uma disputa acirrada contra o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), e o tamanho da diferença entre ambos no total de votos - pouco mais de 1 ponto percentual, a distância mais acirrada desde 1989 - dá o indício de qual deverá ser a principal missão do vencedor: governar um país dividido e trabalhar com um Congresso de maioria opositora.

Lula obteve a maior votação da história brasileira - às 20h30, somava 60.111.027 votos. O recorde anterior era dele mesmo, em 2006, com 58.295.042 votos. Em nenhum momento, porém, ele abriu uma distância de mais de 2 pontos. Bolsonaro liderou a apuração até as 18h44, assim como ocorreu no primeiro turno, contando principalmente com os votos das regiões Sul e Centro-Oeste. A virada na contagem foi comemorada com gritos, choro e aplausos de aliados políticos que estavam no comitê do PT (Partido dos Trabalhadores).

Em seu primeiro discurso como eleito (leia o pronunciamento completo), Lula admitiu as dificuldades de assumir um país dividido. "A partir de 1º de janeiro de 2023, vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim."

"É uma situação muito difícil, mas tenho fé em Deus que, com a ajuda do povo, vamos achar uma saída para que esse pais volte a viver harmonicamente e a gente possa restabelecer a paz entre as famílias. (...) A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra. Esse país precisa de paz e união. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo."
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito

Ainda no discurso, Lula falou que pretende "construir uma experiência harmoniosa entre os três poderes". A frase funciona como aceno ao Judiciário, atacado inúmeras vezes por Bolsonaro, e ao Congresso, que teve maioria bolsonarista eleita no primeiro turno.

Segundo a colunista do UOL Carolina Brígido, ministros do STF preveem um período de calmaria nas relações com o Executivo após a eleição de Lula.

Logo após a divulgação do resultado oficial deste domingo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), aliado de primeira ordem de Bolsonaro e deputado engajado na candidatura do atual presidente, também fez seu aceno: "É hora de desarmar os espíritos, estender a mão aos adversários, debater, construir pontos, propostas e práticas que tragam mais desenvolvimento, empregos, saúde, educação e marcos regulatórios eficientes. Tudo que for feito daqui para frente tem que ter um único princípio: pacificar o País e dar melhor qualidade de vida ao povo brasileiro", afirmou Lira. "Ao presidente eleito, a Câmara dos Deputados lhe dá os parabéns e reafirma o compromisso com o Brasil, sempre com muito debate, diálogo e transparência."

Durante transmissão no UOL, o colunista Josias de Souza ressaltou a necessidade de Lula fazer um governo amplo para diminuir a divisão no país. "Para que ele tenha êxito, ele terá que já de saída fazer uma pregação pela pacificação nacional, pela união do país, e ele terá que demonstrar já na composição do seu ministério essa disposição de fazer um governo mais amplo, um governo que faça um movimento rumo ao centro e até à direita, eu diria", opinou.

Lula volta ao Planalto três anos depois de deixar a prisão em Curitiba, onde foi condenado pela Justiça após investigações da Operação Lava Jato. A sentença, referendada em segunda instância, tirou do petista seus direitos políticos e a chance de disputar a eleição de 2018 —à época, ele liderava as pesquisas de intenção de voto. Em 2021, as decisões tomadas pelo ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) foram anuladas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) —o que abriu a possibilidade de Lula concorrer novamente.

Bolsonaro: primeiro não-reeleito

Jair Bolsonaro deixa o Palácio do Planalto como primeiro presidente a não conseguir a reeleição, desde que ela foi permitida no Brasil. Com o fim do mandato iniciado em janeiro de 2019, processos em curso que envolvem o presidente podem descer para as instâncias ordinárias, e o atual governante ser julgado pela Justiça comum —o que aumenta as possibilidades de responsabilização penal.

No entanto, como mostra reportagem de Hanrrikson de Andrade, o provável destino da maioria dos processos contra o atual presidente deve ser o arquivamento, a exemplo do que ocorreu com o inquérito sobre possível prevaricação ante denúncias de corrupção na compra de vacinas durante a pandemia da covid-19.

Até as 22h20 deste domingo, Bolsonaro ainda não havia se manifestado sobre o resultado da eleição. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, ele passou a tarde no Palácio do Alvorada, não quis conversar com ministros e se reuniu à noite com o vice em sua chapa, general Braga Netto.

Segundo o colunista do UOL Tales Faria, Bolsonaro pensa na possibilidade de não passar a faixa para Lula no dia da posse do petista, em 1 de janeiro de 2023.

 
GOVERNO FEDERAL
 
  
PRF desrespeita TSE, e operações atrasam votações

Se o primeiro turno ficou marcado pelas longas filas nas seções eleitorais e por confrontos entre eleitores, neste domingo o que dominou o noticiário foram as operações da PRF (Polícia Rodoviária Federal) realizadas à revelia de uma ordem do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que havia proibido atuações dessa natureza.

Deste o final da manhã, relatos pelas redes sociais passaram a mostrar que ônibus que levavam eleitores para seções mais distantes estavam sendo parados por agentes da PRF. Segundo reportagem de Amanda Rossi, Caê Vasconcelos e Rafael Neves, mais de 600 ônibus foram alvos de fiscalização, e quase metade das ações (47,6%) ocorreram no Nordeste, região que concentra 27% dos eleitores brasileiros. Operações da PRF no estado do Rio de Janeiro também geraram trânsito atípico para domingo.

Após uma petição apresentada pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT), o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, determinou a suspensão de todas as operações da PRF relacionadas a transporte de eleitores. O magistrado conversou pessoalmente com o diretor da PRF, Silvinei Vasques, que, a princípio, justificou que as ações foram realizadas com base no Código de Trânsito Brasileiro. Intimado, explicou que foram parados veículos com problemas para circular em segurança, como pneu careca e farol quebrado, mas que nenhum deles voltou à localidade de origem e todos seguiram ao destino final. Depois, em nota, a PRF disse que iria cumprir a determinação do TSE.

Nos últimos dias, Vasques, que assumiu o cargo na PRF por indicação do senador Flávio Bolsonaro (PL), publicou no Instagram uma foto da bandeira do Brasil com os dizeres "Vote 22 - Bolsonaro Presidente". Neste domingo, a publicação já não estava mais no ar, mas havia viralizado na internet.

Ao longo do dia, dirigentes do PT pediram que o período de votação fosse estendido, mas Alexandre de Moraes recusou e afirmou que as operações da PRF não chegaram a impedir os eleitores de chegarem às seções. A atuação do presidente do TSE dividiu os colunistas do UOL. Para Madeleine Lacsko, Moraes fez bem em não estender a votação. Já Josias de Souza, disse ver a conclusão do ministro como "frágil e precária". Para Wálter Maierovitch, a ação de hoje dificilmente sofrerá alguma penalização.

Conforme levantamento do repórter Saulo Pereira Guimarães, cinco dos 10 estados com mais ônibus abordados tiveram abstenção acima da média. No total do país, porém, a abstenção foi menor do que no primeiro turno pela primeira vez desde a redemocratização.

 
Reprodução
 
  
Apoiado por Bolsonaro, Tarcisio vence Haddad e é eleito em São Paulo

Apesar da derrota na disputa presidencial, Bolsonaro teve uma vitória importante em São Paulo, onde seu candidato, Tarcisio de Freitas (Republicanos), elegeu-se governador. Carioca e ex-ministro da Infraestrutura, ele venceu o segundo turno contra Fernando Haddad (PT).

Conforme mostra reportagem da jornalista Stella Borges, a eleição ao Palácio dos Bandeirantes foi a estreia de Tarcísio nas urnas — ele nunca havia concorrido a um cargo eletivo antes. Também é a primeira vez que o Republicanos, partido fundado por bispos da Igreja Universal do Reino de Deus, chega ao comando do estado mais rico do país, que está sob o domínio do PSDB há 28 anos.

A disputa em São Paulo refletiu em menor escala a eleição presidencial, já que era no estado que os candidatos à Presidência tinham suas principais apostas neste segundo turno. Com a derrota para o estreante Tarcisio, Haddad perde sua terceira disputa consecutiva a um cargo executivo. Prefeito eleito de São Paulo em 2012, ele perdeu a disputa pela reeleição em 2016 e, em 2018, foi derrotado por Jair Bolsonaro na eleição presidencial, quando foi o representante do PT com a prisão de Lula.

Afilhado político de Bolsonaro, Tarcísio deixou o ministério em março para concorrer ao governo paulista, a pedido do presidente. Apostando na falta de identificação do candidato do Republicanos com São Paulo, a campanha petista mirou seus esforços em tirar do segundo turno o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB). O esforço surtiu resultado, mas Tarcisio já fez a maior votação no primeiro turno e repetiu a dose neste domingo.

Na reta final do segundo turno, a campanha do aliado de Bolsonaro superou a repercussão de um tiroteio ocorrido na comunidade de Paraisópolis, na capital, durante uma agenda de campanha dele no local, no dia 17 de outubro. Inicialmente, aliados de Tarcísio alegaram que ele foi vítima de um atentado. Depois, o próprio candidato e o governo paulista descartaram a versão. Haddad usou o tema para desgastar o adversário no último debate, mas não foi o suficiente para impedir a vitória dele.

Em seu primeiro discurso após a vitória de hoje, Tarcisio afirmou que terá uma "relação republicana" com Lula. "Nós queremos fazer a diferença pelo estado de São Paulo. Vamos zelar pelos interesses dos cidadãos de São Paulo. E tenho certeza que terá também o apreço do governo federal."

"Existem algumas políticas públicas que são fundamentais em termos de alinhamento, e nós vamos buscar esse alinhamento, buscar trazer o melhor para o estado de São Paulo."
Tarcisio de Freitas, governador eleito de São Paulo

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