Depois de reajustes da última
semana, caminhoneiros entraram em greve e governo cogitou interferir no sistema
de preços da Petrobras; entenda por que os combustíveis estão mais caros e como
eles devem se comportar nos próximos meses.
A gasolina ultrapassou a
barreira dos R$ 4 nos postos de gasolina em dezembro de 2017 e, desde então,
sobe de forma contínua e gradativa em todo o país. Influenciada pelo aumento do
dólar e do petróleo, a escalada de preços dos combustíveis se intensificou
neste mês, irritou consumidores e motivou uma greve de caminhoneiros, que estão
parados desde segunda-feira.
A variação é reflexo da
política de preços vigente desde 2016 na Petrobras, que passou a acompanhar as
oscilações internacionais. Até 2015, os preços da gasolina e do diesel eram
influenciados por decisões do governo, que chegou a usá-los como instrumento
para controlar a inflação, com prejuízo bilionário para o caixa da estatal.
Na última semana, depois de
cinco dias consecutivos de reajustes, o governo chegou a cogitar novos
mecanismos de controle e corte de impostos. Na noite de terça-feira, o ministro
da Fazenda, Eduardo Guardia, anunciou
que a Cide, o tributo que tem menor peso sobre o preço nas bombas, seria zerada
sobre o diesel.
A BBC Brasil explica em seis
perguntas por que a medida deve ter impacto limitado, os fatores por trás do
aumento dos combustíveis e o cenário para os próximos meses.
Por que o preço subiu tanto?
Desde julho do ano passado,
quando os preços da Petrobras passaram a acompanhar as oscilações
internacionais, a variação do dólar e da cotação do petróleo são as principais
influências sobre o valor praticado nas refinarias.
Hoje, a trajetória desses dois
preços é desfavorável para os consumidores de combustível brasileiros, explica
o economista da MacroSector Consultores Fabio Silveira.
O petróleo, depois de dois
anos em mínimas recordes, vem ficando mais caro desde junho de 2017. Na semana
passada, o barril do tipo Brent, negociado na bolsa de Londres, atingiu o maior
valor desde 2014, US$ 80, pressionado pelas incertezas em dois grandes
produtores, o Irã, que voltou a ser alvo de sanções pelos EUA, e a Venezuela,
mergulhada em uma crise política e econômica.
No início de 2016, o preço do
barril chegou a US$ 30.
O dólar, por sua vez, tem
ficado mais caro diante do aumento dos juros nos Estados Unidos - à medida que
ele eleva a rentabilidade dos ativos americanos, considerados mais seguros,
estimula a saída de dólares de mercados como o Brasil.
Esses dois movimentos explicam
porque, entre fevereiro e maio, o preço da gasolina que saiu das refinarias
para as distribuidoras saltou de R$ 1,57 para R$ 2,08 e o do diesel, de R$ 1,81
para R$ 2,37.
Nas bombas, a alta foi de R$
4,12 para R$ 4,28 para a gasolina e de R$ 3,38 a R$ 3,59 para o diesel, de
acordo com os números da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que acompanha os
preços em todo o país.
Entre julho de 2017, quando a
política de preços da Petrobras permitiu que os reajustes nos preços fossem
diários, e abril deste ano, a gasolina ficou quase 30% mais cara, calcula o
economista Walter de Vitto, da Tendências Consultoria.
Colocando os números
preliminares do mês de maio na conta, o aumento salta para 46%.
Como
era antes?
Entre 2011 e 2015, a variação
dos preços internacionais era repassada de forma defasada aos preços dos
combustíveis no país, um mecanismo usado pelo governo para tentar segurar o
aumento da inflação.
Quando a conjuntura
internacional era desfavorável, a Petrobras chegou a importar combustível mais
caro e vendê-lo mais barato no mercado interno.
Essa diferença gerou uma série
de prejuízos para o caixa a estatal - uma conta que passou de R$ 75 bilhões no
fim de 2014. A política orientada para o controle da inflação é apontada como
uma das principais responsáveis pelo alto nível de endividamento da Petrobras
no período, que chegou a US$ 124 bilhões.
Como
é formado o preço da gasolina?
Os valores praticados pela
Petrobras são aproximadamente um terço do preço pago pelo consumidor nos
postos. Do total, 11% é o custo do etanol, que, por lei, deve compor 27% da
gasolina comum, e 12% corresponde aos custos e lucro dos distribuidores,
conforme os cálculos da Petrobras, que levam em conta a coleta de preços entre
os dias 6 e 12 de maio em 13 regiões metropolitanas do país.
Cerca de 45% são tributos,
sendo 29% ICMS, recolhido pelos Estados, e 16% Cide e Pis/Cofins, de
competência da União.
Os tributos federais são
cobrados como um valor fixo por litro - o de Pis/Cofins, por exemplo, é de R$
0,7925 por litro de gasolina; a Cide, de R$ 0,10 por litro.
O ICMS, por sua vez, é um
percentual sobre o preço de venda - ou seja, cada vez que ele sobe, os Estados
recolhem mais impostos.
"Combustível é um
excelente instrumento de arrecadação, já que a demanda não varia tanto quanto o
preço", pondera De Vitto, da Tendências.
Como
o governo poderia interferir?
Basicamente de duas formas:
cortando impostos ou mudando a política de preços da Petrobras - duas
possibilidades desaconselhadas por economistas e especialistas no setor de óleo
e gás.
Na última semana, depois de
cinco dias de reajustes consecutivos nos preços, o governo chegou a cogitar
ambas as saídas, gerando reações negativas da equipe econômica e da Petrobras,
e acabou decidindo zerar a Cide.
Na terça-feira, pouco depois
de a Petrobras anunciar redução nos preços dos combustíveis nas refinarias,
motivada pela queda do dólar, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, o
ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e o ministro de Minas e Energia, Moreira
Franco - que havia declarado que o governo poderia discutir mudança na política
de preços da estatal - se reuniram para discutir a questão.
Na saída do encontro, Guardia
declarou que não havia espaço para cortar impostos, diante da dificuldade de
equilibrar as contas públicas, e Parente destacou que o mecanismo de reajuste
não seria alterado.
Mais tarde, contudo, o
ministro da Fazenda anunciou que a Cide seria zerada para o diesel e que a
perda de arrecadação do governo com a medida seria compensada pela reoneração
da folha de pagamentos das empresas, medida que tramita na Câmara e que os
deputados teriam se comprometido a aprovar como contrapartida ao corte.
"Acabaram mexendo no
imposto que tem menos impacto para o consumidor", diz De Vitto, da
Tendências. A Cide é cobrada como um valor fixo, de R$ 0,05 por litro de diesel,
com impacto de cerca de 2% sobre o preço.
Apesar de a carga tributária
sobre os combustíveis ser alta, economistas avaliam que este não seria o
momento ideal para cortar impostos por causa da situação frágil das contas do
governo, que não permitiria que ele abrisse mão de fontes de receita.
Uma eventual influência na
política de preços da Petrobras para baixar "à força" os preços, por
sua vez, seria ainda pior, com impacto negativo sobre o processo de recuperação
da empresa.
"A ideia de intervir foi
objeto de muita crítica no governo Dilma e deveria ter sido superada faz
tempo", pondera o economista da Tendências.
"Esse tipo de coisa
acabou com o caixa da Petrobras e provocou um 'tarifaço' em 2015, quando os
preços voltaram a flutuar", concorda a professora da Coppead/UFRJ
Margarida Gutierrez.
Para ela, contudo, fariam
sentido mudanças que tornassem mais transparentes as regras de reajuste de
preços e que fixassem uma periodicidade para as mudanças - por exemplo, a cada
15 dias. "Os preços de fato estão flutuando demais".
Os
preços podem aumentar mais?
O cenário para a cotação do
petróleo e o comportamento do câmbio, diz De Vitto, indicam que os preços de
combustível devem continuar pressionados até o fim do ano.
De um lado, o barril de
petróleo parmaneceria no patamar entre US$ 75 e US$ 80 nos próximos meses,
enquanto o real mantaria a tendência de desvalorização pelo menos até as
eleições, uma das fontes de incerteza que têm tido impacto sobre o câmbio.
"A gente caminha para um
período de preços altos de combustíveis", concorda Silveira, da MacroSector.
O
etanol pode ser alternativa?
O alívio que o etanol pode dar
em momentos como o atual é limitado, acrescenta o economista.
Em algumas regiões, a alta nos
preços de derivados do petróleo pode até fazer o combustível valer a pena
financeiramente.
"Mas as usinas de álcool
estão fundamentalmente concentradas no Sudeste e Centro-Oeste. No Nordeste, o
preço acaba sendo bem mais elevado", pondera. Em geral, o uso do álcool é
vantajoso quando seu valor for menor que 0,7 vezes o da gasolina.
A "janela" para
transformar o álcool em combustível relevante no país, ele afirma, se fechou
alguns anos atrás.
O setor está em crise há uma
década - a política de controle de preços da gasolina acabou diminuindo a
demanda por etanol - e ainda hoje registra número elevado de falências e
recuperações judiciais.
A isso se soma o fato de que
não há mercado internacional para o combustível - Brasil e Estados Unidos,
basicamente, o produzem em larga escala - e de que a perspectiva de crescimento
do mercado doméstico no médio e longo prazo é pequena, diante da expectativa de
participação maior de veículos elétricos na frota nacional.
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