quarta-feira, 23 de maio de 2018

6 perguntas para entender a alta nos preços da gasolina e do diesel



Depois de reajustes da última semana, caminhoneiros entraram em greve e governo cogitou interferir no sistema de preços da Petrobras; entenda por que os combustíveis estão mais caros e como eles devem se comportar nos próximos meses.

A gasolina ultrapassou a barreira dos R$ 4 nos postos de gasolina em dezembro de 2017 e, desde então, sobe de forma contínua e gradativa em todo o país. Influenciada pelo aumento do dólar e do petróleo, a escalada de preços dos combustíveis se intensificou neste mês, irritou consumidores e motivou uma greve de caminhoneiros, que estão parados desde segunda-feira.

A variação é reflexo da política de preços vigente desde 2016 na Petrobras, que passou a acompanhar as oscilações internacionais. Até 2015, os preços da gasolina e do diesel eram influenciados por decisões do governo, que chegou a usá-los como instrumento para controlar a inflação, com prejuízo bilionário para o caixa da estatal.

Na última semana, depois de cinco dias consecutivos de reajustes, o governo chegou a cogitar novos mecanismos de controle e corte de impostos. Na noite de terça-feira, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, anunciou que a Cide, o tributo que tem menor peso sobre o preço nas bombas, seria zerada sobre o diesel.

A BBC Brasil explica em seis perguntas por que a medida deve ter impacto limitado, os fatores por trás do aumento dos combustíveis e o cenário para os próximos meses.

Por que o preço subiu tanto?

Desde julho do ano passado, quando os preços da Petrobras passaram a acompanhar as oscilações internacionais, a variação do dólar e da cotação do petróleo são as principais influências sobre o valor praticado nas refinarias.

Hoje, a trajetória desses dois preços é desfavorável para os consumidores de combustível brasileiros, explica o economista da MacroSector Consultores Fabio Silveira.

O petróleo, depois de dois anos em mínimas recordes, vem ficando mais caro desde junho de 2017. Na semana passada, o barril do tipo Brent, negociado na bolsa de Londres, atingiu o maior valor desde 2014, US$ 80, pressionado pelas incertezas em dois grandes produtores, o Irã, que voltou a ser alvo de sanções pelos EUA, e a Venezuela, mergulhada em uma crise política e econômica.

No início de 2016, o preço do barril chegou a US$ 30.

O dólar, por sua vez, tem ficado mais caro diante do aumento dos juros nos Estados Unidos - à medida que ele eleva a rentabilidade dos ativos americanos, considerados mais seguros, estimula a saída de dólares de mercados como o Brasil.

Esses dois movimentos explicam porque, entre fevereiro e maio, o preço da gasolina que saiu das refinarias para as distribuidoras saltou de R$ 1,57 para R$ 2,08 e o do diesel, de R$ 1,81 para R$ 2,37.

Nas bombas, a alta foi de R$ 4,12 para R$ 4,28 para a gasolina e de R$ 3,38 a R$ 3,59 para o diesel, de acordo com os números da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que acompanha os preços em todo o país.

Entre julho de 2017, quando a política de preços da Petrobras permitiu que os reajustes nos preços fossem diários, e abril deste ano, a gasolina ficou quase 30% mais cara, calcula o economista Walter de Vitto, da Tendências Consultoria.

Colocando os números preliminares do mês de maio na conta, o aumento salta para 46%.
Como era antes?

Entre 2011 e 2015, a variação dos preços internacionais era repassada de forma defasada aos preços dos combustíveis no país, um mecanismo usado pelo governo para tentar segurar o aumento da inflação.

Quando a conjuntura internacional era desfavorável, a Petrobras chegou a importar combustível mais caro e vendê-lo mais barato no mercado interno.

Essa diferença gerou uma série de prejuízos para o caixa a estatal - uma conta que passou de R$ 75 bilhões no fim de 2014. A política orientada para o controle da inflação é apontada como uma das principais responsáveis pelo alto nível de endividamento da Petrobras no período, que chegou a US$ 124 bilhões.

Como é formado o preço da gasolina?

Os valores praticados pela Petrobras são aproximadamente um terço do preço pago pelo consumidor nos postos. Do total, 11% é o custo do etanol, que, por lei, deve compor 27% da gasolina comum, e 12% corresponde aos custos e lucro dos distribuidores, conforme os cálculos da Petrobras, que levam em conta a coleta de preços entre os dias 6 e 12 de maio em 13 regiões metropolitanas do país.

Cerca de 45% são tributos, sendo 29% ICMS, recolhido pelos Estados, e 16% Cide e Pis/Cofins, de competência da União.

Os tributos federais são cobrados como um valor fixo por litro - o de Pis/Cofins, por exemplo, é de R$ 0,7925 por litro de gasolina; a Cide, de R$ 0,10 por litro.

O ICMS, por sua vez, é um percentual sobre o preço de venda - ou seja, cada vez que ele sobe, os Estados recolhem mais impostos.

"Combustível é um excelente instrumento de arrecadação, já que a demanda não varia tanto quanto o preço", pondera De Vitto, da Tendências.

Como o governo poderia interferir?

Basicamente de duas formas: cortando impostos ou mudando a política de preços da Petrobras - duas possibilidades desaconselhadas por economistas e especialistas no setor de óleo e gás.

Na última semana, depois de cinco dias de reajustes consecutivos nos preços, o governo chegou a cogitar ambas as saídas, gerando reações negativas da equipe econômica e da Petrobras, e acabou decidindo zerar a Cide.

Na terça-feira, pouco depois de a Petrobras anunciar redução nos preços dos combustíveis nas refinarias, motivada pela queda do dólar, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco - que havia declarado que o governo poderia discutir mudança na política de preços da estatal - se reuniram para discutir a questão.

Na saída do encontro, Guardia declarou que não havia espaço para cortar impostos, diante da dificuldade de equilibrar as contas públicas, e Parente destacou que o mecanismo de reajuste não seria alterado.

Mais tarde, contudo, o ministro da Fazenda anunciou que a Cide seria zerada para o diesel e que a perda de arrecadação do governo com a medida seria compensada pela reoneração da folha de pagamentos das empresas, medida que tramita na Câmara e que os deputados teriam se comprometido a aprovar como contrapartida ao corte.

"Acabaram mexendo no imposto que tem menos impacto para o consumidor", diz De Vitto, da Tendências. A Cide é cobrada como um valor fixo, de R$ 0,05 por litro de diesel, com impacto de cerca de 2% sobre o preço.

Apesar de a carga tributária sobre os combustíveis ser alta, economistas avaliam que este não seria o momento ideal para cortar impostos por causa da situação frágil das contas do governo, que não permitiria que ele abrisse mão de fontes de receita.

Uma eventual influência na política de preços da Petrobras para baixar "à força" os preços, por sua vez, seria ainda pior, com impacto negativo sobre o processo de recuperação da empresa.

"A ideia de intervir foi objeto de muita crítica no governo Dilma e deveria ter sido superada faz tempo", pondera o economista da Tendências.

"Esse tipo de coisa acabou com o caixa da Petrobras e provocou um 'tarifaço' em 2015, quando os preços voltaram a flutuar", concorda a professora da Coppead/UFRJ Margarida Gutierrez.

Para ela, contudo, fariam sentido mudanças que tornassem mais transparentes as regras de reajuste de preços e que fixassem uma periodicidade para as mudanças - por exemplo, a cada 15 dias. "Os preços de fato estão flutuando demais".

Os preços podem aumentar mais?

O cenário para a cotação do petróleo e o comportamento do câmbio, diz De Vitto, indicam que os preços de combustível devem continuar pressionados até o fim do ano.

De um lado, o barril de petróleo parmaneceria no patamar entre US$ 75 e US$ 80 nos próximos meses, enquanto o real mantaria a tendência de desvalorização pelo menos até as eleições, uma das fontes de incerteza que têm tido impacto sobre o câmbio.

"A gente caminha para um período de preços altos de combustíveis", concorda Silveira, da MacroSector.

O etanol pode ser alternativa?

O alívio que o etanol pode dar em momentos como o atual é limitado, acrescenta o economista.

Em algumas regiões, a alta nos preços de derivados do petróleo pode até fazer o combustível valer a pena financeiramente.

"Mas as usinas de álcool estão fundamentalmente concentradas no Sudeste e Centro-Oeste. No Nordeste, o preço acaba sendo bem mais elevado", pondera. Em geral, o uso do álcool é vantajoso quando seu valor for menor que 0,7 vezes o da gasolina.

A "janela" para transformar o álcool em combustível relevante no país, ele afirma, se fechou alguns anos atrás.

O setor está em crise há uma década - a política de controle de preços da gasolina acabou diminuindo a demanda por etanol - e ainda hoje registra número elevado de falências e recuperações judiciais.

A isso se soma o fato de que não há mercado internacional para o combustível - Brasil e Estados Unidos, basicamente, o produzem em larga escala - e de que a perspectiva de crescimento do mercado doméstico no médio e longo prazo é pequena, diante da expectativa de participação maior de veículos elétricos na frota nacional.


Nenhum comentário: