Notificações, curtidas e rolagem infinita nas redes causam prazer,
mas afetam controle dos impulsos. Dependência digital pode levar a transtornos
de esgotamento, como FOMO e Burnout.
Conferir notificações, curtidas e o feed de
redes sociais já são hábitos comuns para quem tem um smartphone na mão. O
simples som de uma notificação pode trazer uma sensação boa, mas, ao
mesmo tempo, afetar o controle dos nossos impulsos. E, assim como o cigarro ou
outros vícios, o uso constante do celular também pode se tornar uma
dependência.
Tudo isso é um processo químico, que ocorre
dentro do nosso cérebro através da dopamina. Estimulado por comentários e
curtidas, o neurotransmissor é liberado, provocando prazer e satisfação.
⚠️Alerta: Só que a
dopamina vicia. Checar o celular o tempo todo, clicar em notificações, ficar
rolando infinitamente as timelines sem buscar algo determinado, pode gerar um
looping altamente perigoso para a saúde.
“Quanto mais a pessoa entra em contato com
esses estímulos que causam recompensas rápidas e imediatas, maior a tendência
de aumentar o comportamento. E aí ela começa a sentir falta quando não está
perto do celular", resume a médica psiquiatra Julia Khoury, mestre e
doutora em Medicina Molecular pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Nesta reportagem, você vai saber mais sobre:
🧠 Como o cérebro reage às notificações
📲 Como a dependência
digital afeta a saúde
🧘 O que fazer para se desligar
totalmente (ou um pouco, pelo menos)
Dependência digital pode levar a transtornos de
atenção e de esgotamento!!!
1 - As notificações dentro do cérebro
Julia Khoury, que fez mestrado e doutorado em
dependência digital, afirma que o mundo digital é uma fonte inesgotável de
estímulos rápidos, capaz de nos dar pequenas doses de alívio frente à
vida real.
“As pessoas vão em busca desses estímulos
rápidos que geram prazer para se livrar de sentimentos ruins ou para ter
pequenos prazeres ao longo do dia”, diz a médica psiquiatra.
Você pode não perceber, mas, ao receber uma
mensagem do "crush" ou um elogio inesperado em uma foto postada, um
neurotransmissor começa a correr dentro do cérebro: é a dopamina;
A dopamina, então, se desloca até a parte
central do cérebro e, ao ser liberada ali, causa imediatamente sensações
como prazer e satisfação na pessoa;
Mas ela também vai até a parte da frente
do cérebro. Liberada, inibe as funções dessa região, chamada de córtex
pré-frontal e responsável pelo controle dos impulsos, moderação do
comportamento e tomada de decisões;
Com isso, pode causar impulsividade e afetar
o controle do uso - nesse caso, uso do celular.
O processo é o mesmo em outros tipos
de vícios, como em jogos ou drogas.
"O vício em smartphones é causado por
causa desse tipo de recompensa rápida", afirma a psiquiatra. “Como temos
estímulos rápidos no celular, o cérebro não treina mais para se concentrar por
um tempo maior. E isso diminui a capacidade de concentração”, diz Julia.
2 - Quando a dependência digital acontece
O smartphone é uma máquina caça-níquel, afirma
o psicólogo Cristiano Nabuco. "Na máquina, quando você coloca as fichas,
ela te dá pontuação farta no começo. A partir do momento que você começa a
ficar mais tempo jogando, você começa a perder", compara.
"Seu cérebro também pode criar uma
tolerância, e um ciclo vicioso começa a ser instalado. As notificações têm como
objetivo 'adestrar' o usuário de uma maneira que ele possa, no fundo, no fundo,
ficar cada vez mais conectado”, explica o psicólogo.
Um exemplo é a rolagem infinita: o hábito
de pegar o celular (sem receber nenhuma notificação), abrir um aplicativo e
ficar passando pelo feed com o polegar, de baixo para cima - principalmente em
momentos de ócio e procrastinação.
“Eu vou te oferecendo, oferecendo, oferecendo,
criando um efeito looping onde, em um determinado momento, você não tem mais a
noção do tempo que gastou. O indivíduo entra em uma condição de êxtase,
procurando de maneira compulsiva, sem racionalizar”, afirma Nabuco.
“Isso criou um tipo de estimulação contínua, em
que a saúde mental das pessoas não está sendo observada”, diz o psicólogo.
Mas como saber se sou dependente digital? De
acordo com a psiquiatra Julia Khoury, um dos principais sinais de quem abusa da
tecnologia ou é viciado nela é a síndrome de FOMO.
A palavra é uma sigla em inglês de "fear
of missing out", que, traduzida para o português, seria algo como
"medo de ficar de fora".
FOMO:
saiba mais sobre a síndrome do medo de ficar de fora
O tempo todo que a pessoa recebe notificação é
um convite para um ritual de checagem regular, porque ela fica olhando para a
tela, principalmente quando recebe uma notificação, por medo de perder coisas
importantes, informações que ela considera importantes.
— Julia Khoury, psiquiatra
A consequência é o desenvolvimento de sintomas
de ansiedade e problemas de atenção, o que pode evoluir para quadros mais
graves, como a Síndrome de Burnout, causada pelo esgotamento mental, ou
o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA).
“A pessoa se sente o tempo todo com excesso de
estímulo, não consegue descansar”, explica a psiquiatra. “A gente tem visto uma
prevalência cada vez maior de pessoas com dificuldade de concentração”, afirma
também.
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de burnout é reconhecida como doença ocupacional
Burnout:
Veja as diferenças entre a síndrome, o estresse e a depressão
"O que a gente tem visto é uma epidemia
silenciosa, onde a busca por essa dopamina se tornou quase que uma doença
mundial, em que, quanto mais eu uso as telas, mais um determinado tipo de
operação é recrutada no meu cérebro", diz Nabuco.
3 - O que fazer para se "desligar"
(totalmente ou não)
Para quem quer tentar sair um pouco da frente
das telas, principalmente nos momentos de lazer, ou até mesmo fugir da
dependência digital, os especialistas dão algumas dicas:
Buscar o equilíbrio: quem precisa ficar de
olho no celular por conta da profissão, por exemplo, deve ficar atento não
apenas na quantidade do uso, mas também na sua relação com o aparelho;
De acordo com a psiquiatra Julia Khoury,
pessoas que estão em momentos de lazer, longe do trabalho, e não conseguem se
desligar, possuem um risco maior à dependência do que quem usa por uma grande
quantidade de tempo, mas apenas quando está trabalhando;
Estabelecer limites entre o trabalho e a vida
pessoal: uma das alternativas é concentrar a troca de mensagens do trabalho em
um celular diferente do usado para fins pessoais;
Zonas livres de tecnologia ou desafios de detox
digital: com família ou amigos, estabelecer ambientes ou períodos onde o
celular não pode ser usado, como em uma viagem, por exemplo;
A vida offline também é boa: atividades ao ar
livre, prática de exercícios físicos e de esportes, ou reunir os amigos no
mundo real, longe do celular, também são aliadas.
“Um chefe ou um cliente te mandam uma mensagem
e você está em descanso. Aí ele escreve: 'Não precisa olhar agora, é para
quando você voltar'. Isso já tirou a sua mente do descanso e já te levou para o
trabalho, porque você parou de descansar para se lembrar de um problema que,
por mais que você não resolva na hora, você fica pensando”, afirma Julia.
Não há problema em usar as telas: mas
deve-se ficar atento para que o acesso não seja simultâneo a outras
plataformas. Isso acontece, por exemplo, quando você está focado em uma tarefa
e para tudo para conferir uma mensagem recebida em aplicativos.
Segundo o psicólogo Cristiano Nabuco, o
melhor é não ser interrompido. "Você demora 23 minutos para retomar o
mesmo nível de concentração anterior ao recebimento da mensagem".
Desligar as notificações: nos momentos de
lazer, ameniza os efeitos do uso do celular;
Curtir o ócio: é importante aproveitar os
momentos à toa, sem os apitos das notificações. Segundo os especialistas, a
pausa - real e digital - é importante para descansar a mente, estimular a
criatividade e o desenvolvimento do cérebro.
"A gente precisa de tempo ocioso. Olhar
para a janela durante uma viagem e não para a tela de um tablet", diz o
psicólogo.
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