Em texto imperdível, ele alerta: “PT e PSDB,
os dois melhores partidos que tínhamos, perderam o protagonismo.
Autoritários e fisiológicos voltaram com tudo enquanto os irmãos
inimigos se esgotaram de tanto brigar. Pior é que não perceberam ainda o
tamanho do buraco.
Renato Janine Ribeiro *
Alguém percebeu que o flá-flu que marcou a política brasileira nos últimos 20 anos acabou?
Essa expressão virou lugar comum para indicar a briga, cada vez mais
áspera, entre PT e PSDB. Marina Silva tentou, pelo lado do bem, pôr fim a
ela, abrindo um diálogo que juntasse as pessoas – vou usar um termo
meio antigo – “de boa vontade”. Não deu certo. O flá-flu acabou mesmo
pelo lado do mal, com o PT despencando e o PSDB rachado.
O flá-flu começou após o impeachment de Fernando Collor, em 1992,
quando nossos então dois melhores partidos, em vez de se aliarem, se
tornaram os principais antagonistas na política brasileira.
Isso, contudo, não foi ruim. Com Fernando Henrique Cardoso chefiando
centro-direita e direita, e Lula liderando centro-esquerda e esquerda,
os nostálgicos do autoritarismo e os fisiológicos perderam o
protagonismo. Reduziram-se a coadjuvantes. Na época, foi bom.
Mas tal configuração durou tempo demais. Os coadjuvantes ficaram no
poder por mais tempo do que PT ou PSDB, pois apoiaram um e outro
indistintamente. PT e PSDB saíam, o PMDB (e outros) ficavam. Até que o
coadjuvante roubou a cena. Os autoritários e fisiológicos voltaram com
tudo, enquanto os irmãos inimigos se esgotaram de tanto brigar.
Que projetos temos hoje em cena? Partidos rachados conseguem propor o
futuro? É fácil enxergar o PT enfraquecido, mas o PSDB não vai muito
melhor -tem cargos, mas não a narrativa.
A inclusão social, na qual os petistas foram tão bons, está recuando,
antes mesmo de ser concluída. A retomada da economia, promessa tucana, é
mero artigo de fé, de pouca credibilidade, já que o governo que assumiu
o poder com essa bandeira só agravou o deficit e os gastos com a cúpula
da função pública. O flá-flu acaba, sim, mas os dois lados saem
derrotados.
Já a Rede, se tem uns bons candidatos a prefeito, também sente o
silêncio de sua principal e inconteste líder, cujo único tema é sugerir
novas eleições.
Sim, é certo que uma mudança de orientação, como a representada pelo
atual governo – que aplica, aliado à antiga oposição, o programa que o
eleitorado derrotou em 2014 – , precisaria ser legitimada nas urnas ou,
pelo menos, por um referendo. Marina tem razão, como Tarso Genro e outros, em querer o recurso ao povo soberano. O vazio, todavia, é mais fundo.
Que horizontes temos hoje? Como proposta de país, um corte brutal nos
investimentos públicos é muito pouco. A sociedade talvez até o
aceitasse, caso vislumbrasse algum projeto. Mas tudo se esgotou.
Os tucanos só prometem a economia. Os petistas só pensam na inclusão
social. Esta última é mais nobre, é a grande tarefa ética do Brasil,
equivalente à abolição no século 19. Para incluir, entretanto, a
economia tem que crescer, e isso o governo Dilma não conseguiu.
Já a coalizão que sustenta o atual governo não convence quanto aos
meios (retomada do crescimento) nem propõe nenhum fim, meta ou valor
ético para além dele.
Nosso valor ético deveria ser completar a inclusão social, pois só
ela pode gerar a igualdade de oportunidades. Sem isso, nosso país
continuará disputando as primeiras posições na indecência mundial.
Ninguém ganha com a destruição de PT e PSDB. Quando surgiram, foram
dois prêmios para o Brasil, partidos bem melhores do que os que
tínhamos. A polarização destrutiva entre eles, a recusa a dialogar
nesses últimos dois anos, nos fizeram um mal danado.
O pior é que não perceberam, ainda, o tamanho do buraco. Petistas
estão acabrunhados com a derrota. O problema dos tucanos é acreditar que
venceram. Estão, apenas, no governo. Não se sabe para quê.
* Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e
Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP) e foi ministro da
Educação em 2015 (governo Dilma Rousseff). Artigo publicado
originalmente no jornal Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (1set).
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